segunda-feira, janeiro 31, 2005

Binário elevado

Quarta-feira vou fazer uma viagem de carro. Não levo o Mulliner nem o Morgan e por diferentes razões: o desportivo é friorento demais com aquela capota em lona de à cinquenta anos atrás, a berline é uma chatice para estacionar e eu conheço mal a cidade dos senhores doutores.
Levo o Gallardo, lambo de família, modelo em azul forte. Vou gostar de ouvir o V10 cantar, e espero muito do som do regresso.

domingo, janeiro 30, 2005

Dia da Consulta

As consultas de psiquiatria no Hospital Distrital eram escalonadas por região-dia de semana. A segunda-feira, dia do meu código postal e, então, o único em que saía da minha gruta-bunker, dia em que, na sala de espera ou nos intermináveis cigarros sorvidos à porta da ala hospitalar, viam-se as caras conhecidas, um tímido olá mudo de reconhecimento, mistura de vergonha por estar no dia de consulta dos malucos da terra e, reconheço, o conforto que as caras conhecidas e de tal maleita até então insuspeitas trazia. Sentimentos mútuos, as caras não enganavam. O ambiente de depressão que se vive é amenizado pelo alívio em saber-se que não se é o único do bairro, da vila, em tratamento psiquiátrico.
Mas eram os ‘cromos’ que mais chamavam a atenção, não o anónimo vizinho que via-se(-nos) com surpresa naquela consulta a que se comparecia quase clandestinamente.
Havia aquele que eu crismara de ‘cara-alegre’, sempre a sorrir e em passo certo e ágil percorrendo os passeios da cidade, elegante casaco castanho com a mão nele mergulhada como se Napoleão das lezírias se tratasse, o eterno sorriso estampado na cara, por vezes uma gargalhada súbita que irrompia no imprevisto. Esse ia à injecção semanal pois o seu diálogo com o mundo ou com o médico que faz a ligação entre este e o particular do doente mental, há muito que estava terminado.
À injecção também ia o Zé Preto, com a sua característica boina basca, as barbas eriçadas e já com uns fios brancos, óculos redondos na cara redonda da sua pequena figura. O Zé, angolano, músico amador tomou-se de profissionalismos para com a doença e deixou-se arrastar por ela. Não estou a ser duro, estou a ser realista. O Zé assumiu o derrotismo como forma de vida e é, lamentavelmente em muito por inacção própria, hoje uma sombra do rapaz alegre que foi, prometedor músico em embrião, projecto humano que se deixou perder.
Ou aquele rapaz que veste como rockeiro-motoqueiro, botins e óculos escuros, cabelo espetado no ar por artes do gel, montado na sua bicicleta tipo pasteleira, muito efusivo e cordial mas por vezes estranhamente com o olhar parado, há o vizinho com quem nos cruzamos antes tanta e tanta vez e nunca suspeitamos que: “também tu, afinal…�
Por vezes chegava uma urgência e era visível o incómodo de todos os que andávamos na consulta de ambulatório, uns mais outros menos com a fala entaramelada pelos comprimidos mas todos acreditando que não caíamos no estado de demência crónica a que se assistia aos habituées, lia-se medo no nosso olhar quando entrava uma maca com as reveladoras ligaduras a prender, sob ela, as mãos do doente. Um que se passou. E eu? Suceder-me-á um dia?
Encarei ao princípio com cepticismo as consultas de psiquiatria e só a elas recorri como assumi, claramente, que necessitava de ajuda profissional para sair do buraco para onde me tinha deixado rolar, quando as alternativas do amanhã eram ainda mais negras que os quartos onde me refugiava, janelas e cortinas cerradas às pessoas, à luz, à vida. Demorei a acertar com o médico e ele comigo – há uma ponte de diálogo que se estabelece ou não: se ela não existir não há mistura de comprimidos que evite o resvalar para a injecção, para o olhar parado e ausente de tudo, o isolamento já nem procurado porque concedido com alívio por todos os que nos rodeiam. Ao terceiro médico consegui-o e estabeleceu-se a ponte que levou a que a consulta se tornasse semanal com prazer, aquela hora em que ambos falávamos, ambos pacientes ouvintes e segredos sussurrados e explicados como nunca antes fora feito ao íntimo. São algo de extraordinário as consultas de psiquiatria quando conseguidas. Vejo-as, as conversas médico-doente, como operações de cérebro aberto feitas sob o meu olhar menos receoso do que temia, espantado com a habilidade com que o outro cérebro pesquisa, a sua lógica e precisão, o levantar de pedras e revelar de cantinhos, o recuo progressivo na memória até ‘àquele’ momento cujo bater de asas de borboleta agitou ondas que, dezenas de anos depois – outra vida, provoca os ventos que incomodam e perturbam o que se perdeu, equilíbrio para horas de vida normais e não de pânico ou de isolamento demente. Como todos concordarão, as renitências a colaborar nestas intervenções a sangue frio são muito aceitáveis, e não é fácil concedê-las. �ntimo, pela envolvência que requer no acompanhar das deduções e na lenta construção que se faz de todo o percurso que aquela brisa de então provocou, levando ao despentear de emoções.
Eu um dia teria de falar nisto, mesmo que a pretexto do Cara-Alegre que hoje de manhã entrou na pastelaria onde eu tomava o café e – zás!, levou-me a pensar que o post de hoje estava feito. Eu um dia tinha de contar que houve um profissional da mente que me curou porque primeiro foi meu confidente atento, antes de passar a inevitável receita, de mais uma vez trocarem-se os azuis pelos vermelhos, às pintinhas, aos…
O primeiro de todos, laureado com aparições em tv, obra publicada, chefia da secção e a meses da reforma, ensaiou quantidades e modelos, alquimista via química que conseguia resultados extraordinários: numa quinzena eu andava com um olho fechado e outro arregalado, noutra a língua enrolava-se quando falava, e não cheguei a babar-me porque deixei de abrir a boca. Fazia longas dissertações sobre dúvidas existenciais, as mãos cruzadas na bata branca, o olhar perdido no tecto. Um professor. Assim que me vi livre dele – desistência mútua, e ele também já esgotara as combinações cromáticas de comprimidos disponíveis na paleta da sua psiquiatria. Depois, num episódio de semi-urgência a médica de serviço foi uma trintona daquelas que até fariam o Zé Preto parecer o Cara Alegre se estivesse uma hora com ela a sós – e a querer despir-nos…, aí passei por pouco tempo para ela, coisa para nem meia dúzia de consultas até ser reorganizado o serviço interno, pois entretanto o prof filósofo reformara-se e os seus doentes caíam que nem tordos nas urgências.
Ele, da minha idade ou um pouco mais novo, nunca o vi de bata e o ar mais informal possível, algo excêntrico, por vezes com um casaco de cabedal que não faria a ninguém duvidar que o seu meio de transporte era a mais que natural Harley-Davidson. Não a tinha ao que sei, mas com aquele casaco era o casamento de imagens perfeito, excluídas as dos hell’s angels que os usam sem mangas e sem muita coisa que é importante estar e não está.
De certa vez, estávamos no para mim alegre cavaquear em que se tornaram as consultas e falávamos sobre livros quando ele teve o acerto de alquimista que o colega não tivera, da estante saindo o bisturi para os acertos finais mas também agrafador e linha de coser suficientes para se começar a arrematar a manta, e arrumar sótão e cave. O tema veio porque antes pedira-lhe conselhos sobre o que ler, para eu acompanhar melhor, porque mais apetrechado tecnicamente, o meu tratamento, a evolução. Daí, ele soube que eu era leitor adicto, muiti-temático. Lia sobre tudo. Acreditem que tenho as coisas mais díspares por aqui espalhadas… Ele sugeriu Freud, e lá andei, lá andamos. Mas um dia, nessa tal vez que atrás estava a recordar, nessa consulta ele atira-me, em repente, com um nome: Crime e Castigo. Vai ao Dostoyevsky.
Fui. Só digo que fui, o resto foi lá falado, é íntimo e deu resultado.
Os comprimidos ainda duraram uns tempos após ele ter-me dito: Carlos, vamos mudar as consultas. Sempre que quiseres vens cá, marcas e conversamos. Mas tenho agora outras marcações que preciso alterar, tu quando precisares vens cá. Felizmente não voltei a precisar, só existindo a saudade daquela hora de conversa semanal que foi então tão importante na minha vida. E, felizmente, ao som da literatura.

sábado, janeiro 29, 2005

Velhos tempos

Comprei nestes saldos, por um preço espectacular, uns sapatos de golfe, azulados, que fazem as minhas delícias e ajudam a vizinhança a convencer-se que, definitivamente, ainda não viram tudo.
Recorda-me outra fase e outro Inverno, já há uns anitos atrás e então com outra vizinhança, em que sentia-me tão velho, tão velho que físicamente tornei-me na imagem dum. Até comprei bengala, e com um chapéu daqueles com peninha, sobretudo, dava a minha volta dos tristes ao quarteirão, um braço no apoio que a Webina me dava, contristada, outro no tac-tac, e era olhado com geriátrica inveja por todos os só biológicamente velhos da vizinhança.
Velhos tempos, agora é mais a puxar para o sapatinho de golfe, azulado.

Sobre os programas eleitorais

Se as telenovelas* são vistas como uma agradável evasão à realidade, uma abstracção a um quotidiano insípido e triste, há que concluir que o share de felicidade nacional é por natureza de ordem conflituosa com os shares das televisões nacionais.
Haja um psiquiatra que se candidate a ministro, em verdadeira missão nacional, e que decrete que há necessidade de impor a natural primazia do interesse de saúde pública, tal como se da imposição de um cinto de segurança automóvel se trate-se.
Era uma coisa destas que eu gostava de ver num programa eleitoral, para começar a acreditar que há quem queira realmente melhorar o espólio cuja gestão tanto reclamam.
* e parentela

Contributos recentes para a História da Barbárie

Joshyah, cidadão polaco de 13 anos, foi logo assassinado, poucas horas após ter saído do comboio, não porque era mau aluno, partiu um vidro a um vizinho ou roubou uma pastilha elástica, não por uma razão tão estúpida como estas. Foi-o, porque na selecção à chegada foi-lhe apontado o lado da fila para a morte por estar de momento preenchida a quota de crianças, no campo de escravatura e extermínio para onde o levaram porque provavelmente teria o nariz torto quando crescesse, fama de forreta e uma religião diferente. E preenchida de momento, que quem escapasse à selecção no cais era um sobrevivente, um mês um veterano. Europa Central, há sessenta anos atrás

Os olhos que disseram ao seu bárbaro assassino o que era ser degolado, pertenciam a um homem de cinquenta e tal anos, inglês, que fez a tropa na idade certa e nunca mais pensos em tropas ou armas e só estava no último sítio onde deveria estar por causa dum contrato de trabalho no estrangeiro que ia aliviar em muito a reforma em que já pensava. Tinha gostos simples e era por toda a gente considerado um tipo agradável, mas tinha a cultura errada numa guerra santa em disputa pela monocultura. Além de gostar de futebol também tinha ideias políticas, mas eram totalmente irrelevantes quando se viu com o papel do pior protagonista num interminável filme de ódio fanático que só se ouve a si próprio. No ano passado, Médio Oriente.

No Chile, anos da generalada, aviões abatiam lastro humano que foi a tais voos forçado por pensar que se podia viver de forma diferente, e estava até disposto a votar esse sonho, acto cívico este que às fardas provocava urticária. Há trinta anos, desta vez, eu ia entrar nos vintes, e vocês? Mais ou menos no tempo do Camboja e de vilas inteiras serem assassinadas, de a vida humana nada valer aos olhos do fanatismo ideológico de metralhadora e catana nas mãos.

Na �frica Central, Dango Tembi e a sua família, hutus, foram chacinados por razões tribais tais profundas que envolvem a fé inabalável que uma tribo tem em como os seus são os naturais donos de todas as vacas do mundo e com obrigação de recolherem à sua posse tais bens que vejam dispersos, comportamento ancestral que com a mesma ancestralidade é odiado pelos vizinhos. E Dango até era vegetariano, mas a sua família era a errada na opinião de muita gente errada e armada. Anos noventas do século passado, nem há dez anos.

E na Sérvia, já nesta Europa tão nossa contemporânea que não podemos deixar que feche os olhos, a barbárie assassina também campeou, vizinhos e colegas de ontem chacinaram-se hoje porque descobriram de repente que os avós e os bisavós se davam mal. Mesmos noventas, do Tembi e a família serem chacinados.

Tanta página que nunca deveria ter sequer visto o seu papel produzido, quanto mais escritas como o foram. Tanta vergonha que devemos todos sentir. E tanto medo.

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Flipanço em directo

Deu a louca ao Eufigénio Lagoa! Ora espreitem lá para o blogue dele e digam-me se não parece um puto a quem deram um meccanno ou uma caixa de plasticina às cores! Depois queixa-se de que lhe falta a inspiração... pudera! com aquela feira popular em que ele transformou o blogue, há lá letras que se aprocheguem... tsss, tsss...

Um dos da diferença

O António-san tem um novo blogue, o X-temas. Coisa bonita de se ler e ver, com calma, sereno e deixa-nos bem connosco próprios. Recomendo, e na próxima revisão tributária levará taxa adequada.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

"De Lovely"

Uma pitinha amiga que insiste em chamar-me Sr. Gil - e eu derreto-me com a ternura que isso significa nos seus lábios..., gravou-me uma cópia da banda sonora do filme sobre o Cole Porter.
Soa neste momento enquanto escrevo, soa tantas vezes como tantas em que ouso perturbar o silêncio em que vivo mergulhado. Uso o ousado verbo pois só com música que assim me soe - chame-se de Porter ou de um Smith qualquer, é que me atrevo a, voluntáriamente, criar sons que se juntem à selva daqueles que soam enquanto ao culto do silêncio professo vespertinas e matutinas, culto-prisão que ela soube-me amenizar. "De Lovely".

A mão a meditar

Entre a hipótese de a mão ter asas para voar um bom pedaço mais além, lida quando voa e fala, e a certeza de ver o mar da minha janela em agradáveis salpicos que serão tão eternos como são os anónimos livros que as mesmas mãos acariciam em caves de alfarrabistas, possibilidades não conciliáveis, como fazer? há escolha possível entre o sonho multiplicado, um bom passo em frente já só então do voo da mão dependente, e a opção pelo pé de porta que, mero ano atrás, era inimaginável, Olimpo de mão que se preze de ver registo da sua existência alada?
Não acumulável; a escolha entre a modéstia segura de não querer chamar-se Peter, e ficarem as suas páginas amarelecidas e por encetar nas tais caves de alfarrabistas - também com algo digno e não só falhado nos seus poeirentos 'mil' anos, e a ínfima mais real hipótese de se ganhar o direito às mesmas páginas que serão um dia velhas, mas com estatuto de segunda, terceira oportunidade de voar sempre um pouco mais além. Entre um pássaro que voou na mão, e a mão ela mesma a voar.
É selecção impossível de acertar, é conselho que não se dá e por isso não se pede mas é meditação que faço enquanto penso que, se fosse comigo, escolheria uma dessas caves onde tantas mãos habitam para pensar e, quem sabe? decidir para onde tentar voar.

Blogues moçambicanos

Mais dois, descobertos pela caixa de comentários do Ideias para Debate:
O Renamo, ao que parece (pelo pouco em posts que ainda tem) um blogue institucional ou de homília, felizmente ainda sem ter descoberto o segredo para postar fotos pois, pelo caminho que está a mostrar, quando o fizer ficará parecido com a avenida central de Pyongyang em dia de feriado nacional.
O outro, de Elísio Macamo, Ideias, ainda não teve nenhuma. Também não há pressa.
Feita, portanto, a notícia do seu 'achamento'.

Moçambique

Ao meu muito caro ZP Gouvêa de Lemos saltou-lhe a tampa, a da caneta dos sentimentos que se revoltam com o saque contínuo e sem fim à vista que a esperança tem em Moçambique. E escreveu assim. Machado da Graça editou, eu li, eu que estou em cura de dieta de assuntos políticos moçambicanos não posso calar aplauso e aqui fica uma modesta ajudinha na divulgação.
Deixo breves trechos: (...) talvez o maior problema de Moçambique atual seja a existência destes dois partidos, Frelimo e Renamo. (...) uma reforma partidária na tenra democracia moçambicana, o fim destes dois partidos e o inicio do fim dessa concorrência estúpida de quem tem mais valor para a história do país, quem tem o direito de ficar mais rico e virar empresário (...) Um dia perceberão que os verdadeiros heróis não estão nas poltronas dos dois “grandes� partidos, e para o bem do país que sejam os que estão hoje nas poltronas a perceber isso primeiro.

Os colunistas

Habitualmente leio: Eduardo Prado Coelho, Clara Ferreira Alves, Miguel Sousa Tavares, José António Saraiva, Inês Pedrosa, Vasco Pulido Valente.
É um mundo à parte, na imprensa. São as páginas que mais aprecio.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Isto é Bola!!

Estou a escrever antes dos penalty's, pois o resultado é indiferente ante o belíssimo espectáculo a que assisto. Isto sim, isto é futebol. Houve uma ou duas 'xico-espertices', mas até me esqueço delas ante a emoção de ver um jogo desta qualidade emotiva. Desde o Euro que não via nada igual... que ganhe o... que tiver mais sorte, pois ambos merecem ganhar! Parabéns!

Belém...! Belém...!

... e venham os quartos-de-final!
Com desejos de boa sorte aos ricalhaços que ainda vão jogar o direito a ombrear com a elite. A ambos, se tal é possível... pois vão esgatanhar-se pela honra de serem um dos potenciais cordeirinhos a sacrificar, lá mais para a Primavera. Mas é bonita a festa da Taça e haja honra aos vencidos que tanto sofrem para abrilhantar o azul que afogará Portugal de alegria.
(e esta, hein? juro que não bebo nadinha há cerca de uma semana)

Aviso

Senhores políticos profissionais, dêm um toque no cabelo e endireitem o nó da gravata, vejam como ficam no retrato.
É que - como já devem ter reparado..., dois mil e quatro e sequelas ficará nos manuais de história não como rol de medalhados mas sim como álbum policial que se mostra às vítimas de violação.

terça-feira, janeiro 25, 2005

Gripe - II

Já na ressaca mas sem vontade de mexer um dedo. Agradeço às pitinhas e aos mangussos que se preocuparam com o 'je'. Quanto ao estóico jpt, soubesse ele o que são estes males (ainda bem que não) e o seu choradinho ouvia-se do Rovuma ao Maputo. Conheço o género: até a jogar ao berlinde se queixam do vento não estar a favor.

domingo, janeiro 23, 2005

Gripe

Calhou-me...

sábado, janeiro 22, 2005

Jornais

Hoje, invulgarmente, ainda não li tudo o que me interessou no 'Expresso', pelos títulos onde passei olhos rápidos, por duas razões: incluíram um suplemento vrum-vrum e a mesa do café da manhã quase só o viu a ele, os cadernos e a revista secundarizados. Depois fui com um colega em mistura de convívio e trabalho a casa de clientes no campo que, pela manhã, mataram o porco e reuníram a vizinhança. Mas não comi carne dessa pois provei duas sopas, uma de lebre e outra tipo 'sopa à barrão' daquelas em que a faca e o garfo são necessários, no final um pedacito de lebre com feijocas e couves. Tinto de produção própria e as sobremesas foram salada de frutas e tarte de amêndoa*. Com isto tudo e algum trabalho que também se fez passou-se a tarde.
Do ainda pouco que li, caderno principal, o costume: naquela redacção, quando se alinham notícias e comentadores, há um Maquiável à solta que seria até um alegre folgazão se não estivéssemos a um mês de eleições. Como estamos, tenho de concluir que ele, Maquiável, sabe muito bem que raciocínios pretende induzir ao seu leitor.
Mesmo a imprensa dita de referência espelha a crise do país. A 3 € por folheto, recordo.
* Claro que não jantei.

Ainda sobre os erros de discurso

... dos políticos e, já agora, de todos os que põem o nariz fora da sua janela.
Eu pergunto se uma declaração sincera e honesta de assunção do erro, respectivos pedidos de desculpa se forem devidos, não granjeará mais votos que o silêncio ou, pior, arregimentação de claques e catatuas, tropas e oficial de dia.
Eu, que ando à caça de algo que ainda não entendi mas que não é de votos certamente, aproveito a deixa deste parágrafo para afirmar que, aqui em baixo, deixei mal traduzidas muitas coisas, amplexo confuso de ideias confusas donde até se extrairá em primeira colheita que terei más relações com a malta do tractor, do melão ou do tomate, marteleiros de zurrapas ou de finos Chardonnay. Nada disso. Sem pousio para refrescar a terra, em segunda colheita poderão ver-se outros potenciais frutos num post de rotina a que também assistiu o meu indeclinável direito a, quando calha, ser parvo.
Por exemplo direi que, assediado e seduzido por este calor de securas que, corpo falando, tão bem me sabe, não me esqueci daqueles que são os afectados mais prováveis, agricultores, e fiz análise sumária à 'kuestão' tendo prevalecido o benefício 'geral' sobre o prejuízo 'sectorial'. Porque, quando chove e os dias se tomam de cores escuras não tenho e não temos balcão de queixas, de seguradoras ou de subsídios. Aguenta-se e o mau humor campeia, Mr. Hyde de pés molhados que o Sol mantém em quarentena. Foi este o raciocínio que fiz, curto e básico, palavras ligeiras idem, individualista qb com etiqueta contrafraccionada de marca 'geral'. Erro meu, desculpas aos ditos agora apresentadas.
Explicado ou trôpego, voltando ao início do post antes deste complicadíssimo interlúdio pessoal, eis em nota de final que acho que os políticos não têm de ser pessoas perfeitas e dão argoladas como qualquer comum mortal o faz - exemplo, eu e os agricultores -, tendo mais vantagens em reconhecê-lo que tentando provar que costuma nevar no Algarve ou que as macieiras dão laranjas. Outro Sol sorriria no dia em que andaremos todos de esferográfica em punho, entretidos a acreditar neles. Temo que, nesse dia, só se vejam guarda-chuvas tão negros como a esperança que se desperdiça quando alguém se engana ou mente, toma de tal consciência, e não rectifica e pede desculpa.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

His Master Voice

Há momentos em que penso que esta malta andou toda na mesma escola, mesma turma e professores, mesmos vícios, mesmos...

Actualização de links e...

E o esclarecimento sobre a colecta tributária: atendendo a que o Estado português sai lesado com a minha leitura diária de blogues (quanto menos trabalho menos ganho, logo menos impostos lhe pago) taxo a minha ocupação blogoliterária na proporção dos impostos que a tesouraria de finanças cá do burgo deixa de arrecadar. É justo.

Sol na eira, chuva no nabal

Queixam-se os agricultores da chuva ausente que não faz medrar as couves e os tomates e terão carradas de razão, paletes de argumentos em prol da sua insatisfação com este Inverno seco.
Mas o Sol, meus amigos... o Sol... esta luz que aquece tardes e ilumina jardins convidativos a uma pausa no lufa-lufa, este Sol que dá cor e brilho aos campos e torna as cidades mais agradáveis, as pessoas mais bonitas e felizes, - excepção possível aos agricultores, esta não-saudade do cinzento do céu chuvoso, das poças de água, da lama, do negro dos guarda-chuvas, da roupa molhada e os pés frios, tudo o que o Sol afasta quando brilha assim em Janeiro.
Os agricultores? Como mal menor que dispam a farda e, connosco, recebam o afago deste calor ósculo que faz brilhar este Inverno. Com as inevitáveis águas de Abril que preencham, em duplicado e com cruzes nas razões opostas, secos & molhados, os impressos das seguradoras.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Divagando sobre política externa 'tuga'

Por várias razões. A interna é um lodaçal onde vigora o salve-se quem puder e, receio, vigorará ainda bastante tempo. E tantos e tão bons sobre ela debitam e cascam que o meu tosco e modesto cacete mais não seria que insignificante pingo em área alagada. Eu não sei nadar assim tão bem.
Depois porque vejo com desgosto que Portugal desaparece ano a ano no mapa-múndi, o pequeno rectângulo cada vez mais como convidado circunstancial para as cerimónias e os discursos sem que a sua presença, mesmo discreta e à medida do seu tamanho, se perceba nos importantes momentos antes – os tais que minutam os oradores e traçam os objectivos. É verdade que foi contratado a mordomias de luxo um ‘tuga’ para presidir à CE, mas todos, dentro e fora, têm consciência da escolha de refugo que foi, do mercenarismo da gulosa aceitação sem cuidar do que ficava e soando a saída de mansinho e sapatos na mão, e iremos ver com o segundo mandato de GW Bush e a próxima cimeira de Bratislava com V. Putin se não haverão tiros no porta-aviões por o almirante estar distraído com os comes-e-bebes protocolares de que tanto gosta, como nós, seus confrades ‘tugas’, tão bem sabemos e ainda por aí existem uns retratos insulares para recordar aos esquecidos.
Portugal, velho cantão europeu que sobreviveu a guerras e alianças, invasões e sonhos imperiais e coloniais, tratos de polé de auto-iluminados e desvarios radicais doutros não menos parvos, nas alturas de pompa entre os novos senhores do mundo costuma usar o gasto discurso das velhas alianças para justificar as injustificáveis novas, recorda a vocação atlântica (sempre o fado do mar que quase nos afoga de tanto o invocarmos…), cerra-se em mutismo receoso quando se fala em iberismo mas, desavergonhado, estende mão aberta à menção dos custos do mediterraneanismo, do sul e das suas carências estruturais. Portugal, lá fora e por essa Europa fora será visto como o tal cunhado incómodo que detestamos e aturamos por razões familiares não o podendo eclipsar porta fora, sempre sequioso de avales a letras que nem reforma nem honra, pelo menos utilizando sabiamente o dinheiro que outros lhe dão. Um alegre estroina. Se eu fosse sueco ou alemão, inglês ou, amanhã já, polaco, era o que pensaria deste caro e tão mal governado jardim à beira-mar plantado. Internamente, CE, a nossa política externa actual não é mais que a caça a novos subsídios e negociação de reembolsos dos anteriores sem contas capazes prestadas.
Mais de uma mão cheia de países do hemisfério sul nasceram sob bandeira lusa, tão importantes nos palcos mundiais como são o gigantismo do Brasil ou Angola, a importância geo-estratégica de Cabo Verde ou Timor-Leste. Dessa relação de paternidade pouco ou nada eles colhem e nós idem, tristes aspas de incúria de política externa. Aquando dos conflitos pós-parto somos convocados pelas equipas médicas de emergência para estar presentes mais pela relação de parentesco que pela esperança de mais valia da nossa presença, desvalorizada e desrespeitada nos pacientes porque nunca tivemos na mão as sulfamidas que poderiam ter evitado a crise dolorosa que descaiu em emergência hospitalar. Erros de diagnóstico, omissão quase criminosa de tratamento, irresponsabilidades gritantes que descambaram em tragédias regionais. Política externa à portuguesa, à ‘tuga’.
Por esses lados (PALOP’s e Timor) com memórias recentes de grave incómodo para todos, vítimas e seus facilitadores, enfermeiros ou tropa de choque com livro de cheques servindo de penso-rápido, a política externa de Portugal carece de mais que presença como convidado protocolarmente incontornável nas cerimónias dos pequenos grandes passos que se dão para saírem dos escombros em que caíram, muito também por acção do inábil porteiro das suas independências além dos brutais desmandos da governação própria. Por esses lados africanos e polinésios, Portugal, micro-jardim à beira Atlântico plantado, necessita de mais que apoio a colónias de emigrantes ou ajudas circunstanciais que fazem as primeiras páginas dos jornais que o dia seguinte arruma no lixo. Certamente o seu lugar naturalmente histórico é de outra responsabilidade e protagonismo activo, mais vasto e maior que a micro visão e micro actos ‘tuga’ de que enferma, aos quais o mundo olha com enfado tantas vezes indisfarçável. Olhe-se para a tragédia angolana onde uma geração foi chacinada de esperança e estropiada de tanto mais que pernas que minas arrancaram, e recorde-se a vã pompa de Bicesse, fogo fátuo exemplar da nossa diplomacia externa. Olhe-se para Timor e recordem-se vinte anos de diplomacia apregoada como de alto nível, recorde-se um referendo que só foi possível por uma chacina num cemitério, e a prisão dum homem que nunca quis parar de lutar pela liberdade do seu povo.
Para além das guerras que a nossa política externa permitiu por omissão diplomática ou irresponsabilidade política, noutros campos a sua presença também é uma miragem de feitos práticos. Centenas de milhões de brasileiros, mais de metade da população e área geográfica dum continente, reclamam vantagens duma ancestralidade longínqua sem que o vice-versa histórico seja visível, penso eu que novamente por incompetência ou distracção lesiva duma política externa ‘tuga’ vocacionada para aplausos de banquetes ou fotografias cerimoniais. Portugal no Brasil não vai além de páginas opressoras em livros escolares ou destino de empregados de mesa e de boutiques, prostitutas ou entreposto de jogadores de futebol. Nada mais – eis a verdade. E tanto a é que é voz tristemente corrente entre os emigrantes lusos afirmarem que o seu coração e fidelidade patriótica caiem claramente para tons verdes e amarelos que para o país onde nasceram mas que se mostra relapso na concessão de motivos de orgulho que legitimem mais que as vantagens dum passaporte europeu, primeiro mundo que eles sabem ser só de fachada no seu caso sub júdice. A política externa portuguesa nem os seus nacionais emigrados cativa, não admirando que o resto do mundo a ignore para mais que o convite para o croquete protocolar.
Militarmente, sob a capa larga das obrigações assumidas e dos acordos firmados, Portugal entra nas estatísticas como número de contingente, actor terciário, faxineiro contratado, mais uma bandeira para disfarçar as incontornáveis do costume quando se trata de diluir responsabilidades e dissimular actos predatórios. Fotografia feia e desagradável que, internamente, serve de mote e desculpa para satisfazer almirantes e generais que sonham como crianças com os catálogos de novos brinquedos na mão. Quando a desculpa atlântica se esvair pela emergente nova realidade militar europeia, quando os Açores passarem a presença militar estrangeira e não justificada por necessidades de defesa, a política externa ‘tuga’ na sua variante de micro apoio militar desculpabilizante para os macro gastos orçamentais soçobrará e ruirá como castelo onírico que é. Eventualmente restará a presença simbólica no canto da parada, a quota de medalhas que o jardim merece, e mais brinquedos novos para os generais e ministros da moda terem o seu momento de glória.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

29 anos

Entre ontem, hoje e amanhã* passam vinte e nove anos que 'retornei'. Não quero dizer que o lamento, nada de saudosismos e muito menos de atirar culpas para costas próprias ou alheias.
Os últimos vinte e nove anos da minha vida foram aqui vividos, Portugal. Por esta razão é esta a minha terra mais ainda que pela fortuita de cá ter nascido. Foi cá que amei o suficiente para gerar três filhos, criei amigos e alguns que afinal não o eram, em resumo foi cá que construí o meu passado recente e é cá, Portugal, que construo dia a dia a minha vida adulta. Hoje Moçambique é uma parte do meu passado, cada ano que passa mais longínqua.
Que fique assim pois há gavetas que devem ser fechadas na altura certa antes que destoem na paisagem onde desenho a minha silhueta.
* tenho severas dúvidas sobre a verdadeira data em que pisei a Portela, 19, 20 ou 21 de Janeiro de 1976; infelizmente não sobreviveram mais que a fraca memória o bilhete de avião ou o passaporte que utilizei.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Blogue "Ideias para Debate"

Por via do melhor Google para descobrir blogs lusófonos com potencial interesse chega-me mais um que promete mais que o habitual tarantantan dos monólogos que já irritam - e para os quais contribuo qb.
Estreia-se com um texto de terceiro, um julgo que inédito 'Testamento Político' do falecido jornalista moçambicano Leite de Vasconcelos. Texto datado, testamento ao Diabo que não o deve deixar dormir o último sono atormentando-o com notícias do Inferno em que se transformou a abortada revolução moçambicana. Texto datado, descarga de alma de quem tanto acreditou e sonhou, e pelo que viu desacreditou. Texto datado, digo eu em sanha de "políticamente correcto", para não dizer alto e bom som que datados e fora de prazo estão todos aqueles Novos Senhores que levaram Leite de Vasconcelos a exprimir, assim, a amargura que o consumia.
Terminando, bem vindo à blogosfera, Machado da Graça.

domingo, janeiro 16, 2005

Quatro vírgula Zero Seis anos

a) "Estudo das Finanças: Trabalho vai prolongar-se até aos 70 anos", jornal Expresso de 15 de Janeiro de 2005;
b) Dado relativo a Portugal retirado do The World Facts Book:
Life expectancy at birth:
total population: 77.35; years male: 74.06; years female: 80.85 years (2004 est.)

sábado, janeiro 15, 2005

?

Os blogues são os chats dos intelectuais?

Natal em Janeiro (IV)

Há carros e carros, há blogues e blogues, etc, imenso etc.
Se o olho do Frei puxa mais para os blogues delas, as pitas, não é de admirar pois o frade não é santo e vive tormento místico entre tanto de tão belo a ler, contemplar.
Exemplos? Aqui vão, e com motorização de "Natal em Janeiro".
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Que carro merecerá quem na rima procura (e encontra) o amor, esse mítico sentimento que faz acelerar corações e impulsiona vontades para inebriantes 0-100? Bem, uma máquina que rima desejo e sensualidade, poema rolante de doze cilindros em gritante amarelo, um Lamborghini Diablo barchetta que a doce Sybilla utilizará, acredito que com um sorriso, na sua "Cópula Vocabular" que em blogue (me/nos) dedica versos onde a luxúria está mais ausente que o original nome pressupõe, bem substituídos por uma sensibilidade que muito aprecio. As imagens, por outro exemplo. Lindas, enchem-me o dia e ela sabe-as casar com a palavra.
Bem mais perto que é habitual nesta net que tanto aproxima que, -tantas vezes..., vemos que estamos mais longe uns dos outros que suspeitávamos, aqui num Ribatejo tão grande e tão cheio de locais, vidas, blogues, a visitar com gosto, está a Maria Branco, do "Cumplicidades", um blogue que foi-me estranho antes de íntimo, tanto de surpreendentemente belo lá encontrei, li. Uma alma, feminina, bela, humanamente bela, que fez strip's em letras-sentimentos que em silêncio admirei desde que a descobri. Que carro para tal pitinha, será que o homem criou beleza que lhe sirva? Ouso pensar que sim e nas suas mãos deixo um carro-poema, linhas imortais de fazerem tremer emoções pois dispara-as. Da mesma Sant'�gata do anterior há um Miura que espera por ti. No banco deixo um beijo embrulhado; a desembrulhar com cuidado - ele não tem catalizador. Sente o sussurro no teu ouvido, solta a alma em verso e deixa o vento cuidar do resto, espalhando nas tuas estradas palavras onde o amor tem lugar próprio. E escolhe a cor.
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E pronto, é o Frei. Este ano ainda não tinha dado sinal de si e eu ainda não estou tão velhote como isso (lol).
(daqui a uns dias um especial-mangussos)
PS: Os carros estão estacionados aqui

Eureka!

Quer pagar menos impostos? Acha que o IVA está "entrando no seu bolso" e gostava de inverter a situação? Tudo isso é possível, eis uma solução brilhante para começar a poupar - divertindo-se, ainda por cima...!
Obrigado pela ideia profunda, querida Theo.

Que pandilha, eles todos...

Embora essa coisa das 'quotas' me dê uma comichão desagradável (cheira demais a parentela de corporativismo para ser critério justo), recomendo a leitura da crónica de Inês Pedrosa, "Uma campanha macha", na Única de hoje. Para além das dúvidas que o princípio me descobre, à volta do tema a cronista redigiu muita verdade, incómodas e embaraçosas.
Pelo caminho que isto está a levar, listas, arranjinhos, coisa e tal, nem com sapos ou dolly's conseguem que eu ajude à maioria absoluta. Talvez uma questão de 'quotas', afinal. É que gosto muito do plural...

A capulana e o mar

A capulana enrolada quase no rabo, num nó ágil que desnuda segredos que as ondas beijam com lascívia. O vulto, dobrado, lenço na cabeça, blusa de chita e a capulana, que se destaca no mar agriculturado pela noite, prado de ondas e sabores salgados, que rompe, manso, contra a areia quente. As mãos seguem os olhos, argutos, que procuram búzios, conchas, os tesouros que as ondas dão à areia em fecundação que a faz brilhar ao sol quando o dia descobre o que a noite e as ondas deixam na praia para a seduzir.
Em volta dos joelhos a água remoinha e borbulha, os pés que se enterram devagar vão mudando o apoio ao sabor das mãos que recolhem as jóias do mar e de que ele se despoja finda a noite que o veste em prata para dançar o eterno namoro à areia da praia que o absorve no abraço, sequiosa dele mas talvez interesseira nas prendas com que o mar a seduz.
A capulana recebe o beijo e lá fica a sua marca, beijo húmido que lava pernas e panos, corpo dela e da sua capulana, híbrido adorno que se cola às pernas como temeroso da água que a molha, beijando-a sempre mais e mais enquanto as mãos recolhem os búzios e as conchas, cada uma tão diferente que, por vezes, o sol no alto suspende-se e brilha com mais força quando o vulto se ergue e a mão eleva um dos tesouros e, à sua luz e brilho, há olhos que riem no prazer da beleza que descobriram, tesouros do mar que a capulana guardará. As conchas têm matizes radiantes e brilham mais intensamente contra o céu que mergulha no verde das águas e não esconde a beleza poisada na areia. Fora da sua prisão de água, à luz que cai em ondas de calor, as conchas e os búzios brilham de forma especial antes de mergulharem no segredo que o nó da capulana esconde. O nó, lasso, vai cedendo ao peso do pequeno saco que a capulana dobrada forma, e é reposto enquanto as águas, a maré que vai e vem torneia-lhe as pernas magras mas robustas. Ritual colector, riqueza que a capulana conhece e conserva.
Ela comprara a capulana faria agora dois meses, quando vendera para o mercado a sorte dum dia às conchas que trouxeram um cesto de peixe, oferta dum pescador que ali aportara, o bojo da canoa cheio e muita vontade de partilha na sua fortuna com o vulto de capulana arregaçada que lhe fora farol enquanto as ondas o puxavam para a areia e, ao longe, lambiam de leve os panos e a moça que colhia as conchas como se de lagostas em ouro se tratasse.
Azul e com listas vermelhas, ao centro o mapa de mãe-�frica que lhe parecia enorme, tão grande como este mar que a molhava deixando rugas como se traçasse cadeias de montanhas onde aprendera que seriam terras de deserto, ocas de animais, verde, água, ocas desta �frica que ela conhecia e dava-lhe conchas e búzios; a capulana gostava de ir ao mar, dobrada em volta dos seus tesouros, molhada pela água excitantemente salgada, e gostava também da carícia da areia que as ondas traziam, das suaves ternuras e cócegas que as mãos dela lhe faziam, os dedos que faziam e refaziam o nó, quando a batiam e esfregavam para fazer a areia, já seca ao calor, sair do azul e do vermelho onde o contorno de �frica ganhava um tom especial sob o Sol que a aquecia após o beijo dele, o seu amante mar, dono das conchas e outros tesouros e que lhe os dava, malicioso e sedutor, para a seguir a beijar na sofreguidão das suas ondas que se erguiam roçando as nádegas e molhando a capulana.
Esse mar que a lambia com prazer e volúpia, que por cada prenda que dava requisitava mil e um beijos e carícias, ousado amante das listas vermelhas da capulana, da �frica que brilhava ao Sol e que tornava a espuma brilhante quando a onda ia e ficava o vazio de mar onde os seus restos viviam na capulana, brilhante de molhada, enrugada no excesso de ternura do abraço de paixão que recebera.
A dona da capulana e o pescador nunca se amaram assim, não há memória naquela praia de paixão tão intensa como a da capulana e do mar, romance que se repetia sempre que o vulto, dobrado, lenço na cabeça e blusa de chita, a capulana azul com listas vermelhas dobrada quase até às nádegas, recebia os beijos do mar e as ondas gritavam o seu prazer quando a acariciavam e ela brilhava, as cores mais intensas que nunca o foram – nem quando nova, o remoinho nas pernas olhava fascinado aquele beijo e, em bolhinhas corria atrás da onda que investia na areia, quente, solo nupcial dos ardores por conchas, búzios e outras carícias, da capulana e do mar. Consta na praia que, um dia, na areia quente o pescador afortunado e a moça dos búzios e das conchas deram um beijo mas dele não teve ciúmes o mar, pois ele amava era a capulana.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Zangado

Pelo que li, um bilião e picos é diferente de dez milhões quando se trata de levar porrada e calar, ou não. Mesmo que cada um seja igual a mim, ao Senhor.
Depois desta opereta de fraca baixela que vivemos e onde o Senhor também não sai totalmente impune, este racismo subtilmente disfarçado em interesses comerciais, este pontapé nas canelas que de si levei.
Olhe, vá à merda Sr. Presidente, mais o seu políticamente correcto que me deixa envergonhado por o Senhor me representar.
Reforme-se, e o mais discretamente possível.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Little Art

Aqueles da minha geração e que deitaram olho guloso ao mundo vrum-vrum lembrar-se-ão dum italiano que andou na Fórmula Um na década de setenta, sem especial sucesso desportivo que fosse além da vitória de ter conseguido um ponto para o Mundial na sua corrida de estreia em F1, num Ferrari e em substituição duma data de habituées com baixa médica ou a governar a vida naquele momento noutro lado.
Um tipo franzino e com cara de folgazão, cabelo entre o hippy e o teddy boy, sempre que possível um chapéu à texano com um autocolante Marlboro. Arturo Merzario, esse que enterrou o que sobrou da boa vida num projecto de carro de F1 próprio, e onde, após ter passado pelos primeiros tempos de Frank Williams construtor, nos ISO-Williams, terminou a carreira a tal nível pela porta de trás: em duas épocas nunca se qualificou, fez um acordo com os credores e foi viver e correr para os ‘states’ até aos seus sessenta anos, para cumpri-lo. Que eu saiba, a coisa não correu muito mal.

Recentemente, na revista “Classic & Sports Car� (não meto link para a webpágina pois esta é um lixo ao pé do luxo da edição em papel) li uma reportagem sobre ele, quatro páginas com mais fotos que texto. Dela, saco este naco que muito diz, mais do que sobre ‘Little Art’ dum ambiente irrecuperável pelo profissionalismo exigido pelas estatísticas, cruéis nos resultados e nunca ignoráveis por quem investe loucuras na publicidade que as coisas bonitas que andam muito depressa trazem:

“One win sealed his burgeoning reputation. Bookend by hillclimb victories in mid-‘69 at Freiburg-Schauinsland and Cesarano-Sestrière, Merzario arrived at Mugello for the GP armed whit a Fiat Abarth 2000 Sport Spider. Against an army of Alfa Tipo 33’s and Porsche 908s, he stormed all eight laps of the 66km road circuit for the first of back-to-back wins. Driving solo, he had enough time in hand to appease some cravings."

E passa-se a palavra ao próprio:

“It was a tough race, much more so than the Targa Florio. There were no straights where you could relax, just corners. I decided to stop for a Coke and a cigarette. Unfortunately, someone took a photo of me and it appeared in the following day’s papers. Abarth was furious, saying: ‘I pay you to drive a racing car, not smoke cigarettes.’ That was probably my greatest race, the one I’m proudest of.�

Uma mistura de puto irreverente e de cowboy, menino rico e herói de lendas. Não a do gentleman driver pois esta, já na altura, cedia terreno e era de visão rara na pureza da sua origem; talvez Moss seja o exemplo perfeito, mais isso já é outro post, neste trata-se do Merzario, Little Art.
Já não me lembro das contas que então fiz mas ele terá agora sessenta e tais, década e meia mais velho que eu. Continua gedelhudo como quando corria em protótipos pela Ferrari e pela Autodelta (Alfa Romeo) e com um ar à Rod Stewart mas sem cuidados de esteticista. Um torrado pelo sol invejável, as rugas que eu ainda terei e uns olhos malandros como imagino que teve quando, no seu Abarth estava a fazer um figurão contra os muito mais potentes Porsche* e Alfa** e resolveu parar para ‘a Coke and a cigar’. O Carlo Abarth teve um semi-trailer carregado de razão em zangar-se, claro, mas a esta distância faço o sorriso que esta rebeldia me provoca, com a classe que só a naturalidade do gesto pode adornar.

Mas o mundo das corridas é tão pródigo em histórias de piratas e mosqueteiros como de rigores, e até há lordes e alguns falidos. É dum destes que passo a contar.
Lorde Hesketh, o tal que herdou milhões em libras e o título, assim que pôde começar a gastar sem dar contas a ninguém fez uma equipa de F1 com o seu nome e animou o chamado ‘circo’ com festas que eram preferidas às dos vencedores. Uma vez, no Mónaco e onde o lorde estacionava sempre o iate aquando do Grande Prémio e no local mais caro da marina, a equipa conseguiu o seu primeiro ponto no campeonato, já não esperado por ninguém e começando neles próprios. Muito por mérito das desistências dos outros que habitualmente andavam à frente, mas também por o piloto (adivinhem quem…), o James Hunt (eheheheh… este então…), não ter mudado de namorada há pouco tempo e, portanto, não se espetar contra um muro com os habituais aplausos dos fãs e os gritinhos preocupados da pitinha. O Watson, anos oitenta, veio a copiar o estilo e todos se recordarão da época em que destruiu quase tantos chassis à McLaren como provas havia no campeonato e, mesmo Mónaco e também namorada nova para impressionar, levar o coitado do carro a voar por cima duns outros cinco pois esqueceu-se de travar antes da curva. Bem, voltando ao lorde e às suas festas, a dessa noite no iate ficou célebre e todos os outros barcos na marina governaram noite invulgarmente balanceante via dela. O champanhe francês que correu como se de cerveja se tratasse, as loiras e as morenas, os famosos e os desconhecidos que querem ser famosos, playboy que se prezasse e toda a fauna que, no dia, veda com óculos o sol, tudo por lá passou e tudo concorreu para que a festa do iate de Lorde Hesketh ficasse na memória da F1. Felizmente – eis a pitada de humor! que, como já na altura o jovem estava a perceber que o dinheiro corria depressa demais e sempre no sentido dos outros, tinha um contrato de patrocínio que era o perfeito para a equipe Hesketh de F1, e a sua filosofia de vida, expressa nessa festa que celebrou um pontito como se de vitória no campeonato se tratasse. Os carros Hesketh faziam publicidade aos preservativos ‘Durex’, há vinte anos não exactamente com a normalidade publicitária de hoje. Claro que – rezam algumas línguas e alguns comentários irónicos vão-se ouvindo aos resistentes sobreviventes, o patrocinador da equipa forneceu em mãos largas o seu produto a todo e qualquer um que se atrevesse a aproximar-se sequer da festa mais badalada da noite dos campeões no principado…
A história das chamadas realidades conta-nos que o tal lorde, ainda a meio dos seus vintes, faliu e foi fazer companhia aos muitos lordes e duques que, dizem, dormem debaixo da ponte de Londres por não saberem jogar bridge. Mas a história que faz sorrir recorda é estes momentos, subalternizando a outra. É necessário aparecerem periodicamente uns malucos para que hajam estórias de banco de jardim para um dia contar.

Para terminar voltando ao Little Art: vê-se no artigo que governou e pensa governar a vida também à custa desta sua história do passado, avença directa ou encapotada da Coca-Cola e da Marlboro. Está no seu direito, ele é o único a poder reclamar estatuto de herói da mesma. Como o Mick Jagger vestir-se e pintar-se como se tivesse vinte anos, ou o Paul Newman ter a mania que ainda os tem. Embora com este seja algo mais complicado. Há dias, espetou-se e destruiu um dos carros da equipa; se por um lado o que vale é serem dele os cheques que tudo nela pagam, não o é menos que é muito suspeito se ele deveria meter-se numa actividade tão exigente fisicamente em que não deixará de ser uma ameaça a si próprio e aos outros quando está em pista. Há que saber parar, e dizê-lo a quem está distraído.

Aqui vai, assim termino mesmo…, um cigarrito e uma latita ao Little Art, ao lorde e a todos os malucos que preenchem a melhor parte das memórias.
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* em 1969 ainda não era o 03 mas, mesmo assim, uma muito boa máquina, Le Mans dixit;
** também neste tratar-se-á dos primeiros chassis, antes da explosão das barchettas e dos up-grades que a Can-Am trouxe aos grandes construtores.

:-)

Hoje ganhei um recurso. Nada de especial, pensarão e estão correctos. Nem sempre se tem razão mas algumas vezes ela assiste-nos e há quem a reconheça assim como mérito à teimosia em defendê-la.
Este tem paladar melhorado pois, para além dos pormenores legais em liça e das complicadas interpretações que algumas vírgulas e silêncios podem ter nas leis mal escritas, o recurso era-o contra a demissão de pensar para decidir por quem está contratado para além de cumprir um horário mas também para reflectir sem se proteger na “chapa 5� e no “outro que decida�. No fundo contra a mentalidade burocratizante, esse monstro que se auto alimenta das dificuldades que cria ao infeliz que cai na sua rede e nela esvazia paciências e carteira.
Estou satisfeito e disso aqui dou fé. Desculpem a provável imodéstia ou a evidente gabarolice, mas senti-me útil. Honorários à parte, claro.

É só p'ra dizer que...

... está um frio do caraças!

quarta-feira, janeiro 12, 2005

A infracção

Mesmo se de acordo com as leis e portarias, o bom senso deve ditar a utilização dos direitos. Quem duvidar deverá consultar as alíneas dos deveres.

O próximo filho-da-puta

Não sei a quem calhará, se a um genuíno se a um ingénuo. Mas que o próximo ministro das finanças vai levar em cima com a podridão do futebol e ouvir o bom e o bonito julgo que não haverá muitos a duvidar. Nem ele o fará, seja ele quem for sem ainda o saber.
Bombo de festa sempre que mexer um dedo, ou já se está nas tintas para a tetraplegia política ou acredita que os sacrifícios são necessários na ascensão ao Olimpo, digo ao Governo, digo a mais qualquer Coisinha que esteja a jeito.
É que não há milagres e ainda há o Euro a pagar, em S.Bento já arrancaram as tábuas aos soalhos e não se encontram tesouros, e – desgraça maior…, os pagantes vão estar ano e meio em festa contínua pois há o velho hábito das prendas oferecidas em campanha eleitoral - por muito mau que tenha sido o ano agrícola, se em altura de festas os ricos matam um porco os mais pobres também têm sempre uma atenção, umas couves e uns melões para distribuir, e lambuzamo-nos todos de esperança o que faz bem à saúde e ao voto além da agradecida carteira.
A torto ou a direito, azul, verde ou vermelho, às pintinhas ou de laçarote, o próximo ministro das finanças vai ter que resolver este totonegócio onde não há santos nem santinhos. A classificação que aqui titulo poderá um dia soar quase lisonjeira quando caírem as consequências totais deste processo. Não há casa de banho ou estádio que não esteja dado como garantia para aquilo que não há no futebol há muitos anos e os bancos vendem, está tudo hipotecado. Regista-se uma penhora em cima disso tudo e imaginem a cara de mal disposto com que o credor fica e, sendo esses quem são, oiçam as máquinas de calcular a trabalhar...

O escritor de cafés

Quem não se lembra dele, espécie hoje extinta por mor das pastelarias e agências bancárias que assassinaram o seu pouso, habitat onde convivia com os seus livros e cadernos onde garatafunhava ensaios e poemas, lado a lado com bicas e cigarros mil.
Hoje o sobrevivente do escritor de cafés migrou para quartos onde brilham outros cadernos, atentos correctores de texto, e tanto que também por aqui a paisagem urbana que o escritor descreve mudou, esbugalhada dos sons da vida e com este zumbido do monstro que pede, sempre! mais alimento.
Quem não se lembra dele, escritor de cafés que também fui e fomos, e não recorda com saudade esse nosso pedaço de escrita que este progresso que aplaudimos matou...

Cinco linhas sem título

O post perfeito nascerá um dia com a naturalidade com que os dias são renovados e a luz do sol vence a batalha pela cor, esta iluminando trevas e aquele esmurrando a previsibilidade do leitor. Ou não fosse ele também um astro como são as estrelas, aquelas que tanto brilham e onde se diz que está escrito aquilo que haverá de um dia acontecer.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Sexo oral tropical

Via blogue dum devasso encapotado que eu cá conheço cheguei a um interessante artigo sobre sexo oral, glorificação do mesmo e, até, conselhos práticos sobre modo de usar.
O bloguista realça os comentários dos leitores e lá deixei o meu contributo, indo buscar ideia antiga mas que se tem mostrado peregrina: sempre achei que havia um forte nicho de mercado por explorar nos preservativos com sabores, juntando-lhe, por exemplo, o de caril.
Uma mina, vocês pensem bem... aquilo venderia milhões, milhões!
Propostas de franchising da ideia devem ser enviadas para o meu e-mail.

... e continua...

Para dois 'san': a Ro do Yurei-san, e o António-san do re-Correntes, não vou dar carros japoneses pois, desses, na A Minha Garagem pouco ou nada há. Antipatias antigas, que já antes e aqui no blogue fundamentei.
Para a pitinha vai um Vector M12, bicho bonito e veloz, linhas agressivas mas de contornos suaves e, a cor, interior e exterior, fica inteiramente ao seu critério pois essa é a área onde o seu blogue brilha com uma luz muito especial... Para o mangusso reflecti bastante e acabei por decidir-me por um Maserati Quattroporte. A discrição e o bom gosto das suas linhas conjugam-se para se aliarem a um dos meus blogues favoritos.
Pelo que li recentemente, o Fernando do Granda Truck tem um camião novo para percorrer essas estradas sem fim, mas está apeado, i.e., está de férias. Ora bem, motorista em férias não quer ouvir falar em volante, não é? Portanto leva carro com chauffer. Para ele o novo Rolls Royce Phantom dotado de toda a parafernália electrónica para ele usar o seu 'Zulmiro' nos posts com que com ele viajamos, ouvir o novo CD ou ler sossegadamente o 'da Vinci' enquanto o alcatrão é devorado por um rei da estrada - com outro ao volante, claro...
Ao Dr. José Antº Barreiros, do A Revolta das Palavras, certamente desgastado com os imponderáveis caminhos e travessas que a Justiça escolhe para a prossecução do seu fim social, terei de conceder compensação mínima para tais agruras e valoração máxima para a elevada qualidade da sua revolta em (boas) palavras. Que tal um Morgan Plus Eight, dr? Será com imenso prazer que o verei ao seu volante, e este receberá com agrado as mãos que tão bem escrevem.
E por hoje chega. Vou trabalhar.

domingo, janeiro 09, 2005

Natal Vrum-Vrum (em Janeiro) - II

Eis a segunda leva que o porta-carros do motorista mais barbudo e benfiquista do mundo traz:
Bem, quem viver na linha de Cascais que se cuide pois um ‘Pantera’ é um carro bonito como a dona que agora o recebe, mas com tanta cavalagem que será um risco andar naquelas ruas quando a Theo, do blogue A Sebenta, resolver queimar borracha e fizer o ‘De Tomaso Pantera GT5’ voar baixinho… fujam, fujam que a pitinha é louca..!
Agora um caso meio complicado, que é o do Jass do Provisório (inaugurado em 2004). É que ele é pessoa de crenças, tem bom olho para os carros mas tem paixões e ódios de estimação nessa matéria. Por outro lado não é qualquer carro que lhe faz as medidas e o leva a virar a cabeça, ao salivar do interesse. Sem mais explicações entrego-lhe o A: Level Volga V12, e utilizo uma expressão dum post anterior para o caracterizar como ‘sinistramente belo’; vai para a sua garagem porque que sei que é prenda que agrade e estimará.
E agora vou correr cenários de ‘highways’ pelo interior da América do norte, sem autocolantes do Kerry ou do W., só as mãos revezando-se no volante do carro mítico para uma viagem que em páginas já nos foi contada. Para a Teresa/IO do Chuínga um Cadillac El Dorado de ’59. Aceito que não escolha o usual pink mas tem de me gramar sentado ao lado pois vamos juntos correr a ‘66’ que ambos lemos em Kerouac quando fazê-lo foi importante. É o carro perfeito para essa viagem à cabana onde estão guardados os sonhos ainda intocados, acredita-me mufanita!
Continua claro que as portas estão abertas e as chaves lá dentro. A quem apetecer umas voltas ou uma viagem e lá encontrar satisfação ao gosto, força! Os depósitos estão sempre meios, pelo menos, e os documentos no porta-luvas.

sábado, janeiro 08, 2005

Aviso à malta dos carros!

No próximo natal aceitam-se retomas, mas vou olhar para as pinturas, estofos, etc. Por isso - please...!!!! tenham cuidado com os chassos, fujam de buracos e passeios.
Este fim-de-semana e se nada o impedir sairá mais uma fornada de prendas, carroçarias polidas, mecânicas revistas e muito alcatrão para devorar. Haverá um ao qual pedirei boleia para (re)visitar uma '61' de Kerouac e Dylan, um 'Pantera' vai receber mãos à medida da sensibilidade nervosa do seu pêlo, e vou entregar um soberdo Volga moderno, sinistramente belo. Vai dar-me gozo eheheh

de folga?

... não. Todos os dias cá venho. Mas não me tem apetecido postar, há uma preguiça que se apodera e faz os dedos fugirem ao teclado. Leio, leio-vos. Num, até deixei um comentário onde falo em blogar sem stress_bem prega frei Tomás...
Mas que terei para contar? Que a Clara Quevedo do Bomba Inteligente tem uma coluna no Expresso, e que fiquei desiludido. A uma blogger exige-se mais do que aquilo, ela que me desculpe se estou a ser pouco cavalheiro mas senti-me defraudado com o que li. Hoje, que se fala tanto em blogues e na blogosfera (esse mesmo jornal cita-os e comenta-os noutras páginas), aquela amostra que a "bomba" dá é fraca. Parece que um bloguista quando se passa para a escrita convencional vê perder-se algo na mudança, e disso ressente-se o seu visual escrito. Já o JPP (Abrupto), quando iniciou o 'Jacaré' na Sábado, senti-me como que defraudado e resmungei na altura o que pensei: dele, no blogue, estou habituado a ler melhor.
Quanto ao resto está a ser um sábado em tudo normal, e a defunta sexta também o foi com o agradável de ver a minha filha Filipa, regressada dos USA onde fora passar o Natal com a mãe. Ainda com o desequilíbrio das horas trocadas (oito de diferença), pouco conversamos ainda mas foi muito bom revê-la, ouvir um resumo das suas aventuras pela Califórnia. Temos tempo, essa está cá em permanência.
Fomos jantar a um restaurante chinês, local que me traz sempre sentimentos contraditórios. Gosto da cozinha chinesa, leve, mas faz-me complicação a sua organização meticulosa. Como fomos jantar cedo a sala estava quase vazia mas, mesmo assim, mal cruzamos portas fomos assaltados pelo inevitável "boa noite, quantos são? quatlo?", não sei se na expectativa de na nossa cauda ainda estar por emergir um autocarro de excursionistas ou no receio de nos sentarmos um em cada mesa. Faz-me comichão, sinto-me 'controlado' e, claro...! faço tudo o que for discretamente possível por desorganizar a organização. Como tínhamos alguma pressa - a Carla tinha de ir cantar as Janeiras pela cidade com o coro do Orfeão, nem se abriram as ementas que parecem pastas para proteger documentos de posse de secretário de estado e dissemos o que queríamos. Um a zero, que deviam ser dois pois a mesa fora ocupada sem que a inquisidora-anfitriã tivesse tido oportunidade de se pronunciar sobre a melhor forma de uma sala vazia receber quatro clientes. Depois, quando o chao-min ia a meio pedi as sobremesas, olhos admirados e já é meio golo, resultado que se confirmou quando, já a banana pa-si estava aviada e chamo para pedir a conta, lá vêm as listas para posse dos secretários de estado e a pergunta entre sorrisos: "soblemesa?". Ok, sou mauzinho, até concordo, mas gosto de comer com as minhas regras.
Eis sexta e sábado, eis porque não escrevo um post novo há uma série de dias: "blogar sem stress, eis a ideia"

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Ponta do Ouro

Calor, praia, calção e pés descalços, a passagem de ano feita em t-shirt e suando a delícia do calor africano (digo eu, que, cá e agora, rapo frio de esquimó...).
A ler aqui, pela própria mão da felizarda que fez a entrada em '05 que eu gostava de ter feito.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Um 'winzip' a 41 anos

Naquelas páginas onde, no jornal, se arrumam as futilidades e se contam os mexericos, li que o macho de serviço ao curral das celebridades escreveu num fim-de-semana um livro, autobiográfico, com cento e vinte e oito páginas.
Sem desmerecer dos seus propagandeados dotes de barrasco e que indiciam ocupar vastas páginas e com algumas fotos, fico a pensar se quarenta e um anos, escritos em dois dias, não serão anos vazios a mais para tanta página. Se não vazios, então com tema recorrente que, espremido, dá cento e vinte e oito páginas (com algumas fotos) que se escrevem em dois dias, lêem-se em cinco minutos, e deixam um legado à posteridade de boçalidade mascarada em celebridade.

O Natal sobre rodas - I

Andam no ar subtis protestos por não ter havido paciência para fazer entrega em mãos das chaves d'A Minha Garagem. Registado, até porque não estava esquecido.
Assim, sem links para as fotos e só para os blogues, aqui fica uma primeira lista vrum-vrum de Natal 2004.
Para que o chorão-mor, o
Eufigénio do Apenas Mais Um, leve o filhote à escola menos atrasado, escolhi um lustroso Ferrari F 50, à escolha no clássico vermelho, um sedutor amarelo ou um não menos bonito cinza metalizado.
Há quem se queixe com antecedência do mau estado das estradas onde a bomba será conduzida. Para grandes males grandes remédios, e se o Hummer é grande... (H1, 2 ou 3, à escolha) Assim, o
José Flávio do Ma-schamba deverá ter esse problema resolvido, e também deverá contactar o fabricante para acertos de pormenores no 'pack bloglimo', o jeep equipado com acesso à internet apta a permitir posts mesmo em (improvável) atascanço.
Bem, segue-se um Maybach 62, daqueles que não dispensa motorista pois tal luxo e prazer merece o bloguista refastelado na poltrona traseira. Directo, e sem possibilidade de troca, para o
João Tunes do �gua Lisa. O leitor de DVD's vai equipado com um extra, oferta muito pessoal: um jogo de futebol da nossa Liga, concretamente da 14ª jornada.
A opção para o caro
Alexandre Narciso do Eelko van Mulder é por um reluzente Lamborghini Murciélago pois ele farta-se de correr o país, e sempre com pressa. Imagine-se que - soube por post ou comentário dele, já não recordo a origem mas sim a afronta, comeu uma sopa da pedra no seu lugar genuíno e nada disse(-me)... Como castigo esclareço que o toiro, quando à carga e de goela aberta, gasta mais depressa um depósito de gasosa que a dita sopa demorou a ser comida, acredito eu e ele depois dirá.
A primeira senhora-pitinha a ser contemplada recebe um lindo Avanti, branco-pérola, seja ele nas linhas imortais que Raymond Loewy criou, ou na versão moderna de feliz inspiração nas ditas. Vai para o sapatinho da
Madalena do Chora-que-logo-Bebes, para passeios de fim de semana entre a região saloia e as salinas da outra banda, com o Tejo à janela e, sugiro, velha cassete com Elvis the pelvis soando em harmonia com o ronronar do V8.

(continuará logo que possível)

Ele há rasteiras...

Caí que nem um pato aqui, sem saber bem como e porquê encontrei-me a ler um currículo mais político que outra coisa. Ou seja e explicando melhor: voei que nem um anjinho atrás de pista aqui plantada, até o páraquedas estava aberto...
À laia de comentário acerca de claques e seus espécimes, defesa de honra azul - aceite-se este argumento..., aqui vou dizendo que, enquanto o cachopo berrar pelos golos certos, há sempre esperança que um dia veja a luz, e se arrependa. Ecos natalícios, que querem...
No seu geral as claques são um zoo, e dos feios. Vistas à distãncia terão a sua piada quando afinam e acertam no desenrolar das bandeiras; acredito que, ao pormenor do "lá no meio", seja um filme de terror que monopolisa a atenção de tal forma que a final do jogo e para não fazer a figura de parvo de século, teria de estar atento aos comentários que andam no ar para ficar a conhecer o resultado final. Lá no meio, por certo cada um dá um case study tão completo que o jogo é o pormenor-motor do espectáculo humano nas bancadas, nas claques. Este 'puto' estar lá, para mim é o mesmo que andar pelos dragões em fúria ou na cor que lhes calhar: são todos primos uns dos outros e não quero nenhum na minha família.
Subscre o post de protesto um orgulhoso belenense, felizmente não campeão, nem sério candidato a tal, do futebol português dos últimos anos :-)

terça-feira, janeiro 04, 2005

O berlinde que fugiu

Jogava-se às três covinhas. O Anacleto, que tinha uma leiteira daquelas todas brancas e temíveis, amealhara pecúlio que fazia perigar as reservas aos bolsos dos calções coçados pelos muros onde, também, se jogava uma variante do berlinde que passava pelo atirá-lo contra ele, e no retorno cair sobre o adversário, ‘abafando-o’, i.e., metendo-o ao bolso com sorriso de orelha a orelha.
Ora era o que o Anacleto fazia, e, de covinha em covinha e com uma ‘caga’ de primeira, dizimava azuis e verdes, aos olhos do Jorge desapareceu-lhe o seu berlinde mais bonito que voou após um ‘tiro’ de mais de um metro, com a incrível sorte que o puto tinha, e a tarde corria-lhe em feição daquelas de criar lenda e, por largos tempos, ser o dono do passeio quando de berlindes se falasse.
No outro lado, sonolento, um velho sentado à sombra da cantina olha-os enquanto enxota as moscas que vêm do sol inclemente daquela hora, incómodas no seu zumbido, e no terreiro o dia mergulhava na perfeição da glória de ganhar ou de saber perder com desforra aprazada. Eram quatro. Além do Anacleto e do Jorge, o Betinho e o Nelito compunham o movimento que se via enquanto as três covinhas se corriam no incessante prazer de brincar, forma saudável de se crescer e muito principalmente para o Anacleto que acaba de levar o Nelito caixa d’óculos à desistência.
As suas gargalhadas respondem aos gritos de protesto dos espoliados que procuram inventar novas regras que travem a leiteira que o Anacleto exibe, pois da precisão da sua pontaria nessa tarde não havia registo de façanha igual, e nisso todos concordavam divergindo a seguir pela lógica de quem vence ou de quem está a dar os primeiros passos para futuros resfriados ao strip-poker. A outra leiteira, o berlinde, já fora remetido aos seus bolsos superlotados via um misto de argumentação de ‘armas iguais’ e ameaças declaradas de não jogar mais, mas o seu sucedâneo onde os três contribuintes de elite depositaram esperanças, revelou serem estas muito mais vãs do que seria esperado em mentes avisadas, pois o seu verde onde brilhava um centro de vidro com uma mancha amarela rapidamente se tornou como o olho da serpente que ataca com a precisão fatal ao alvo. A velocidade com que voava de cova em cova em lançamentos certeiros, era-a demais para ser repetível, mas o problema passava pela constância dessa sorte, avidez nata que escoou, golpe a golpe, as jóias e sucata das reservas pessoais acumuladas noutras tardes de sorte, doações inesperadas por parentes nostálgicos, compras com sobras de recados à mãe, todas essas formas com que os tesouros se vão construindo, mais aquela que o Anacleto exibia.
Seria um seu muito prematuro ‘Euro Milhões’ mas, então, ainda com efeitos psicológicos mais devastadores pois a cara do Jorge já oscilava entre o choro que quase não se reprime, e a vergonha pala ‘abada’ que estava a levar e que o fazia enrubescer de fúria, traduzida em linguagem que mãe alguma ouviria ao seu rebento sem desmaiar.
O Anacleto vivia a sua glória até meio envergonhado e pensando nas consequências de esmagar de tal forma os seus amigos para a vida e outros jogos, onde talvez as coisas não corressem tão bem e as caneladas crescessem como cogumelos, soe dizer-se, mas gozava o momento por inteiro, absorvendo a coroação que surge dos sonhos quando uma tarde se torna perfeita, e o mundo pára para viver-se um daqueles que, - pensava o Anacleto, era um dos momentos mais importantes da sua vida.
Estranhamente nem um cão se via, talvez pelas moscas ou talvez apenas porque foram prudentes ao calor e, à sombra de mangueiras ou de palhotas, em beiras de muros, esperavam pela hora em que acorriam ao terreiro em frente à cantina, atraídos pelo movimento urbano do fim da tarde quando a luz brilha de forma mais inclemente e o formigueiro humano, com os seus desperdícios, estabelece-se.
Quem se apercebeu do movimento foi Anias – eis o nome do velho que dormita às moscas a tarde que corre, três covinhas, e os seus olhos semicerrados registaram o aparecimento da capulana de Raimunda na pequena passagem entre o quintal de mamana Eloísa e a casa onde viveram os Matsinhe antes dele adoecer e regressarem à Bela Vista, nunca mais a palhota fora habitada e notava-se no desalinho do caniço que delimita o seu pequeno quintal, rasgado por bolas e cães, pelo tempo que não se compadece de quem não está e não zela pelo perecível. O azul com um rendilhado cor de fogo em palmeiras brilhou como explosão de cor no opaco da paisagem e, aos olhos de Anias sucedeu o berlinde de Anacleto que parou no ar, imobilizado pelo dedo flectido que não saltou como mola que impulsiona o terrível abafador dos outros berlindes, a paisagem e até os cães se os nela houvesse, tudo fixou olhares e miras em Raimunda, na sua capulana azul com palmeiras em cor de fogo que torneavam os seus dezasseis anos, radiantes de beleza da juventude que emergiu no quente do terreiro como se de visão santa se tratasse, e a paisagem, os actores neles mergulhados a jogar às três covinhas, até o velho e as moscas mais os cães que não havia em lapso imperdoável de terreiro que se preze, tudo parou a olhar Raimunda, brisa que beijou o quadro fazendo a copa da velha árvore estremecer de prazer.

(continuará)

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Um carrinho no bolso

Amanhã de manhã tenho um daqueles serviços que ninguém gosta, excepto o que tem a haver mas ainda não viu nada. Será feito. Não gosto, mas será feito. Está a hora aprazada com o 'dim-dom-dim', o camião que vem vazio e deve voltar cheio vem do norte de madrugada e eu estarei à espera dele, eu na minha farda discreta, o fato dos funerais, alguém noutra com botões prateados e distintivo visível.
Estes casos merecem-me uma preparação mais cuidada, não a nível de papéis pois neles a rotina imuniza, mas cá dentro, eu. Sei a hora e data já há uma semana e, como sempre, os dias passam nas milhentas rotinas, blogasse, trabalhasse, faz-se tudo para não pensar nas caras sádicas dos curiosos que sempre se juntam, faz-se por esquecer o acto de que serei a face da Lei, legalização das alíneas e artigos cuja aplicação será coersiva e tentará introduzir um grão de equilíbrio nas depauperadas relações entre o credor desgastado e o devedor relapso, faço isso tudo mas nunca consigo interiorizar totalmente que o meu papel é o de pequena peça numa máquina, lenta, mas objectiva e socialmente útil. Preparo-me psicologicamente, reforço mentalmente a argumentação assertiva, visto a farda que menos gosto, a que diz "- tem de ser e vamos começar já" e que, a final, deixa-me pouco mais rico em €uros e muito mais pobre em auto-estima.
Mentalmente revejo a argumentação clássica, "ele" arranjou o problema e teve mais que tempo para resolvê-lo doutra forma, há que ajudar a travar estatísticas desagradáveis de ler, até vou buscar o esfarrapado argumento de que a Lei tem de ser cumprida e alguém terá de a impor quando ela não é acatada, mas nenhum me deixa a olhar a manhã de amanhã como uma manhã a recordar em blogue, vinte anos depois.
Hoje, pensei em levar um carrinho no bolso do sobretudo, pega que possa agarrar quando os olhos dele lerem nos meus que os meus lábios não mentem quando dizem "- tem de ser e vamos começar já"; uma evasão ao momento, ficará o autómato preenchendo o rol, assinando e preenchendo, mais assinaturas, cá dentro uma parte lembrar-se-á do carrinho e os dedos toca-lo-ão de leve, sentirão nos seus contornos a outra vida, o mundo onde esse homem que assina e preenche teve carrinhos, vida diversa, mais sã, mais feliz.
Não gosto desta forma de ganhar a vida, não gosto, mas... "- tem de ser, e...".

Viajaver

Olhos que sabem ver.

Bom dia!

Já pensaram no dinheiro que teríamos poupado se os telemóveis não tivessem sido inventados?
Continuação de Bom Dia...

A eterna descoberta

Mais dois blogues a recomendar. Do �frica de todos os sonhos cheguei ao Don Vivo, ambos para ler com calma, nada de clique-clique mas de gastar um tempo que não é perdido. Ganho, achei eu.
E isto faz-me lembrar que tenho de reorganizar a tributação fiscal dos links, pois há alguma revisão da matéria colectável.

Querido computador:

Dominas-me, eu sei.
Olho o branco opaco que me cega e onde pulpito palavras, e digo não, que é falso e uma ilusão substituir tanto daquela porta para lá por horas sentado em frente a um monitor, que também dá respostas às perguntas mas, se se carregar no botão apaga-se ao contrário daquela porta para fora.

Mas sou eu e mais uns. Somos muitos, fica sabendo que, este post, muitos afiam-se para escrevê-lo. Dominas-nos, nós sabemos. Eis a diferença, não percebes meu querido computador?
Não, claro que não. Massificas-te o teu domínio e perdeu-se-te esse pormenor. Tu ligas-me, iluminas dias e noites no teu branco opaco para as nossas letras em negro, e eu escrevo-te e nós lemo-lo, e tu não sabes que o púlpito que me (nos) concedeste é-o em carta aberta que te faço, fotografia da máscara que me mostras quando te iluminas. Mas eu já vivia antes de te ter ligado a primeira vez, gesto de que tu nunca te orgulharás.
O dedo suicida ao outro de mim que se perdeu, um dia poderá sê-lo fatal para ti, meu querido computador.

Dás-me muito e muitas são as moedas de troco que te dou, tempo que falta para além daquele que era desperdiçado e que não deixa saudade, mais algumas coisas que deixasse de fazer e eram agradáveis. Contas complicadas de acertar.
Sabes que me dói a mão do rato, minha máquinazinha? Que, mesmo quando escrevo, há um formigueiro que se escapa nos dedos, qual choque eléctrico permanente, e acelero a busca das letras para as palavras num frenesim que tenta acalmar a marca que me fizeste, meu querido computador? Gosto de ti e detesto-te, eis-me sentado à tua frente e a dizê-lo, servindo-me de ti.

Dominas-me, eu sei e quis dizer-to para ambos pensarmos este novo viver, amantização com altos e baixos, dores novas mas também prazeres, tantos. As minhas narinas tremem enquanto cheiro em ti odores novos, sedutores, mas a mão e o braço dóiem-me e há o protesto animal da carne, sujeita à ditadura do teu rigor constante de máquina que quer ser alimentada pelo seu servo, eu, nós.

Meu querido computador:

Lê-me, porque eu escrevi-te mas há mais olhos postos em ti.

sábado, janeiro 01, 2005

As águas de Março

As águas do rio vinham num verde-escuro que não deixava ver os seus frutos e a rede mergulhou só pela suspeita que a sorte acredita, intuição que levou as mãos do mufana a lançar-lhes a rede que mestre Chimangue lhe emprestara.

Nos primeiros tempos deste amor acompanhara o pescador e com ele passara tardes pelo rio acima, juntos no barco que era o orgulho do madala e até àquela curva onde se viam as casas dos mulungos; aprendera o modo de lançar a rede, os gestos dos braços que lançam abrindo-a antes de mergulhar no revolto do rio, prenhe de peixe que ocorria ao múltiplo isco que a cantina e as casas em volta deitavam para as águas. Era com o dia a sumir-se atrás da copa das palmeiras que o barco regressava à aldeia, embalado na corrente, tantos dias e tantos sóis que assim morreram com as redes secas do seu sumo que estrebuchava entre os seus pés. Assim M´penze aprendeu o rio e aprendeu a pescar, e maravilhava-se com a fortuna que ele dava sem pedir nada em troca – navegar era um prazer que a si mesmo invejava quando via a proa cortar as águas com a força que davam aos remos.

Gostava de pescar, do rio, e das suas margens onde macacos os olhavam curiosos e guinchavam em protesto por não saberem fazê-lo, e queria um dia suceder a mestre Chimangue quando este, já cocuana, passasse os dias sentado na sombra da sua palhota conversando o mundo, o rio e o sol que aquece o campim seco nas margens, o tempo passando pelas suas mãos que gesticulariam com os espíritos que voam sempre em volta das conversas dos velhos.

M’penze até se imaginava a vender o peixe lá longe, onde o mestre já não ia por estar madala, e as moedas dos mulungos a fazerem o monte da sua corte a Raimunda, ao lobolo que um dia queria pagar para tê-la, pois amava-a e sorria como nunca quando a via, ela na machamba ajudando a mãe e as tias, ele em corrida pelos caminhos que levassem os seus olhos a vê-la, elas a rirem-se e a gritarem-lhe:
“- baya kwini ah mufana?�
- ele a rir-se também e a correr deixando os olhos nos dela, Raimunda . Depois comprava uma ginga, falava lá na cantina ao patrão mulungo e ele ia buscá-la ao chitimela, lá muito longe das águas do rio.

Uma manhã, ainda curta para desembrulharem o almoço, estava o barco amarrado na margem e, indiferentes aos mosquitos que patrulhavam as margens olhavam ociosamente o nada e o tudo que as árvores têm, mestre Chimangue puxou palavras que lhe fizeram bem, deu-lhe conselhos sobre o amor, as raparigas, a Raimunda, e o pai dela. Sem poder pagar o lobolo nunca se devia aproximar, e as suas palavras contaram lendas de noivos que perderam ilusões na selva entre risos de kizumbas e o rugido do leão, forçados a abandonar a aldeia por quererem trapacear o lobolo, julgando-o um encargo e sem olharem à honra de cumpri-lo. O espírito dos velhos nunca o permitiria.

M’penze, ainda novo mas que gostava de pensar como se fosse já um homem grande, como mestre Chimangue que um dia também pagara o lobolo por Maria Magaia, sua mamana, ia pescar muito peixe e ia conseguir pagar o lobolo de Raimunda, e nas noites estreladas em que sonhava que as suas esteiras dormiam lado a lado olhava a fartura do seu futuro, via o rio como sua fonte.

Mestre Chimangue nunca lhe emprestara o barco embora os seus olhos não enganassem quando para ele olhava nas manhãs em que, chegado à palhota dele, Maria Magaia lhe dizia que o mestre estava doente pois bebera tontonto demais na noite anterior, e não ia haver pesca. Dizia, rindo-se, que ele era mufana demais para que os seus braços levassem no remo o barco para os sítios certos. O máximo que acontecia era emprestar-lhe uma rede, - como agora fizera, e ele aventurava artes e sacudia saudades pelas margens, tentando aqui e ali que nas redes voltassem as medalhas que queria exibir a mestre Chimangue, muitos peixes pescados sozinhos, e sem o barco.

Sentou-se numa pedra para olhar as águas e esperar sinais que a zona fora bem escolhida, meteu a mão nos calções e tirou a harmónica que Gabriel lhe dera quando o seu pai, no rand, lhe trouxera uma nova.
Ao primeiro sopro o silêncio caiu e todos os pequenos ruídos do mato cessaram por segundos, atónitos pelo novo trinado que ecoava entre as folhas das palmeiras e até alguns de protesto apareceram, mas depressa os sons que os seus lábios sopravam casaram-se com os que o ar quente trazia num acompanhamento de orquestra onde os solistas competiam pelo seu momento. M’penze gostava de tocar a harmónica, achava-a mágica, e não só era bonita no metal que brilhava com estranhos sinais gravados que deveriam ser a língua do mulungo, como sentia-se senhor de grandes feitiços ao arrancar uma música estranha daquele instrumento que soava mais alto que um chikitse ou os chogului com que brincara quando era mais mufana e ainda Raimunda não lhe sorria.

Mestre Chimangue não gostava que ele tocasse a harmónica quando estavam a pescar, dizia ter medo que a música chamasse os espíritos que moravam nas águas do rio, e mestre amava o rio mas também o temia.

(continuará)