quinta-feira, janeiro 13, 2005

Little Art

Aqueles da minha geração e que deitaram olho guloso ao mundo vrum-vrum lembrar-se-ão dum italiano que andou na Fórmula Um na década de setenta, sem especial sucesso desportivo que fosse além da vitória de ter conseguido um ponto para o Mundial na sua corrida de estreia em F1, num Ferrari e em substituição duma data de habituées com baixa médica ou a governar a vida naquele momento noutro lado.
Um tipo franzino e com cara de folgazão, cabelo entre o hippy e o teddy boy, sempre que possível um chapéu à texano com um autocolante Marlboro. Arturo Merzario, esse que enterrou o que sobrou da boa vida num projecto de carro de F1 próprio, e onde, após ter passado pelos primeiros tempos de Frank Williams construtor, nos ISO-Williams, terminou a carreira a tal nível pela porta de trás: em duas épocas nunca se qualificou, fez um acordo com os credores e foi viver e correr para os ‘states’ até aos seus sessenta anos, para cumpri-lo. Que eu saiba, a coisa não correu muito mal.

Recentemente, na revista “Classic & Sports Car� (não meto link para a webpágina pois esta é um lixo ao pé do luxo da edição em papel) li uma reportagem sobre ele, quatro páginas com mais fotos que texto. Dela, saco este naco que muito diz, mais do que sobre ‘Little Art’ dum ambiente irrecuperável pelo profissionalismo exigido pelas estatísticas, cruéis nos resultados e nunca ignoráveis por quem investe loucuras na publicidade que as coisas bonitas que andam muito depressa trazem:

“One win sealed his burgeoning reputation. Bookend by hillclimb victories in mid-‘69 at Freiburg-Schauinsland and Cesarano-Sestrière, Merzario arrived at Mugello for the GP armed whit a Fiat Abarth 2000 Sport Spider. Against an army of Alfa Tipo 33’s and Porsche 908s, he stormed all eight laps of the 66km road circuit for the first of back-to-back wins. Driving solo, he had enough time in hand to appease some cravings."

E passa-se a palavra ao próprio:

“It was a tough race, much more so than the Targa Florio. There were no straights where you could relax, just corners. I decided to stop for a Coke and a cigarette. Unfortunately, someone took a photo of me and it appeared in the following day’s papers. Abarth was furious, saying: ‘I pay you to drive a racing car, not smoke cigarettes.’ That was probably my greatest race, the one I’m proudest of.�

Uma mistura de puto irreverente e de cowboy, menino rico e herói de lendas. Não a do gentleman driver pois esta, já na altura, cedia terreno e era de visão rara na pureza da sua origem; talvez Moss seja o exemplo perfeito, mais isso já é outro post, neste trata-se do Merzario, Little Art.
Já não me lembro das contas que então fiz mas ele terá agora sessenta e tais, década e meia mais velho que eu. Continua gedelhudo como quando corria em protótipos pela Ferrari e pela Autodelta (Alfa Romeo) e com um ar à Rod Stewart mas sem cuidados de esteticista. Um torrado pelo sol invejável, as rugas que eu ainda terei e uns olhos malandros como imagino que teve quando, no seu Abarth estava a fazer um figurão contra os muito mais potentes Porsche* e Alfa** e resolveu parar para ‘a Coke and a cigar’. O Carlo Abarth teve um semi-trailer carregado de razão em zangar-se, claro, mas a esta distância faço o sorriso que esta rebeldia me provoca, com a classe que só a naturalidade do gesto pode adornar.

Mas o mundo das corridas é tão pródigo em histórias de piratas e mosqueteiros como de rigores, e até há lordes e alguns falidos. É dum destes que passo a contar.
Lorde Hesketh, o tal que herdou milhões em libras e o título, assim que pôde começar a gastar sem dar contas a ninguém fez uma equipa de F1 com o seu nome e animou o chamado ‘circo’ com festas que eram preferidas às dos vencedores. Uma vez, no Mónaco e onde o lorde estacionava sempre o iate aquando do Grande Prémio e no local mais caro da marina, a equipa conseguiu o seu primeiro ponto no campeonato, já não esperado por ninguém e começando neles próprios. Muito por mérito das desistências dos outros que habitualmente andavam à frente, mas também por o piloto (adivinhem quem…), o James Hunt (eheheheh… este então…), não ter mudado de namorada há pouco tempo e, portanto, não se espetar contra um muro com os habituais aplausos dos fãs e os gritinhos preocupados da pitinha. O Watson, anos oitenta, veio a copiar o estilo e todos se recordarão da época em que destruiu quase tantos chassis à McLaren como provas havia no campeonato e, mesmo Mónaco e também namorada nova para impressionar, levar o coitado do carro a voar por cima duns outros cinco pois esqueceu-se de travar antes da curva. Bem, voltando ao lorde e às suas festas, a dessa noite no iate ficou célebre e todos os outros barcos na marina governaram noite invulgarmente balanceante via dela. O champanhe francês que correu como se de cerveja se tratasse, as loiras e as morenas, os famosos e os desconhecidos que querem ser famosos, playboy que se prezasse e toda a fauna que, no dia, veda com óculos o sol, tudo por lá passou e tudo concorreu para que a festa do iate de Lorde Hesketh ficasse na memória da F1. Felizmente – eis a pitada de humor! que, como já na altura o jovem estava a perceber que o dinheiro corria depressa demais e sempre no sentido dos outros, tinha um contrato de patrocínio que era o perfeito para a equipe Hesketh de F1, e a sua filosofia de vida, expressa nessa festa que celebrou um pontito como se de vitória no campeonato se tratasse. Os carros Hesketh faziam publicidade aos preservativos ‘Durex’, há vinte anos não exactamente com a normalidade publicitária de hoje. Claro que – rezam algumas línguas e alguns comentários irónicos vão-se ouvindo aos resistentes sobreviventes, o patrocinador da equipa forneceu em mãos largas o seu produto a todo e qualquer um que se atrevesse a aproximar-se sequer da festa mais badalada da noite dos campeões no principado…
A história das chamadas realidades conta-nos que o tal lorde, ainda a meio dos seus vintes, faliu e foi fazer companhia aos muitos lordes e duques que, dizem, dormem debaixo da ponte de Londres por não saberem jogar bridge. Mas a história que faz sorrir recorda é estes momentos, subalternizando a outra. É necessário aparecerem periodicamente uns malucos para que hajam estórias de banco de jardim para um dia contar.

Para terminar voltando ao Little Art: vê-se no artigo que governou e pensa governar a vida também à custa desta sua história do passado, avença directa ou encapotada da Coca-Cola e da Marlboro. Está no seu direito, ele é o único a poder reclamar estatuto de herói da mesma. Como o Mick Jagger vestir-se e pintar-se como se tivesse vinte anos, ou o Paul Newman ter a mania que ainda os tem. Embora com este seja algo mais complicado. Há dias, espetou-se e destruiu um dos carros da equipa; se por um lado o que vale é serem dele os cheques que tudo nela pagam, não o é menos que é muito suspeito se ele deveria meter-se numa actividade tão exigente fisicamente em que não deixará de ser uma ameaça a si próprio e aos outros quando está em pista. Há que saber parar, e dizê-lo a quem está distraído.

Aqui vai, assim termino mesmo…, um cigarrito e uma latita ao Little Art, ao lorde e a todos os malucos que preenchem a melhor parte das memórias.
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* em 1969 ainda não era o 03 mas, mesmo assim, uma muito boa máquina, Le Mans dixit;
** também neste tratar-se-á dos primeiros chassis, antes da explosão das barchettas e dos up-grades que a Can-Am trouxe aos grandes construtores.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Aos anos que não houvia falar do Arturo Merzario. Quando tinha os meus 11/12 anos e era uma enciclopédia sobre F1 com pernas gostava bastante por ele. É um defeito que ainda tenho, torço sempre por pilotos que não ganham.

abraço,
amnésia(amnesia.weblog.com.pt)

sexta-feira, janeiro 14, 2005 3:16:00 da tarde  

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