sexta-feira, dezembro 31, 2004

Passagens de ano

A esta hora, este está em Londres a curtir o bom e a aviar pints, este foi para Cape Town bronzear-se ainda mais e deve andar pelas praias de latita a postos, e este está em parte incerta mas imagino-o refastelado num sofá com uma bejeca na mão :-)
Ora um Bom 2005 a todos!

"A propósito de camelos"

A ler

Tem momentos deliciosos a crónica de Rui Henriques Coimbra, na "Única" de hoje.

O calendário

Planos, festas, desejos, ambições, medos.
Junta-se tudo à data que termina a última folha do calendário, pendura-se na parede a lavagem do errado e promete-se começar de novo.
Quantos trinta e um de Dezembro tiveste na tua vida? Quantas folhas deixaste de arrancar e amareleceram enquanto envelhecias e reparavas que, afinal, estes meses são iguais aos que já foram, e só a pintura que encima a cronologia dos desejos e o registo das frustrações mudou… no ano que daqui a horas será passado foram dois gatinhos num cesto de vime e que passaram o ano brincando, imóveis no passar dos dias, sempre com o seu olhar ternamente imobilizado. Este, será uma paisagem bucólica, provavelmente o campo inglês com o seu verde-inverno, e acho que os gatinhos gostariam de brincar nos prados em colinas serpenteantes até à serra lá no fundo, onde a foto ganha o azul e branco das nuvens no céu. Também acho que não vão conseguir, última desilusão do ano.
Um “31 de Dezembro� também mudei de paisagem no meu calendário e deixei de ver �frica quando olhava para a vida que crescia-me nos dias que se sucedem no ciclo de viver. Meio seduzido e meio arrastado pendurei nos meus dias um Janeiro com fotos duma Europa que eu imaginava como um misto de história viva em castelos medievais e em cidades onde o tempo foi conservado para além das folhas que morrem nos calendários, e do progresso típico dum primeiro mundo com as suas obras monumentais, o gigantismo que poderá não seduzir mas impressiona, o luxo de haver recursos que permitam nascer o belo quando é preciso transformar. Foi a vinte de Janeiro de setenta e seis o meu “31 de Dezembro� mais profundo pois outros houve onde as paisagens foram mudadas e os sonhos tiveram novo pasto que alimenta e sepulta, mas aquela mudança de calendário foi a que mais influenciou o sabor das folhas que foram falecendo no excesso de dias que nelas se conta.
Há mudanças de calendário que nenhuma nova paisagem amaina. Com ou sem gatinhos.

Abstenção - 2005

Prevê-se forte subida no círculo eleitoral onde Rui Gomes da Silva for candidato.
Haverá análise ao facto por um conhecido comentador televisivo.

Futebol - 2005

O campeonato está imprevisível. Uma retalha de coxos, nenhum com a dinâmica de vitória que perfuma os campeões.
Não posso passar sem transcrever este naco do João Pereira Coutinho (tem um blogue mas não me recordo de qual), da sua crónica no Expresso de hoje:
Zandinga Remix (1):
(…) “Final da Taça UEFA em Alvalade. Sporting e Benfica entram em campo, dispostos a levar o troféu. Atrás deles, técnicos do Hospital Júlio de Matos. O jogo começa, finalmente, entre Parma e Valência.�

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Um conto de Natal de José Craveirinha

Natal
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A cidade acordou em festa.
Natal! Natal!
A Baixa encheu-se de gente. Nas lojas os brinquedos atraíam os pais com as crianças pela mão. Maguébe o negrinho, sobraçando seu monte de aspargos, parou em frente de uma montra. Os olhos abriram-se gulosamente perante as maravilhas tão perto e tão longe dele, que aquilo tudo era um sonho boiando nas pupilas redondas e cheias de todas as fomes de �frica. Triciclos, motos, camiões, aviões e tantas coisas mais, feitiçaria misteriosa para Maguébe, estavam ali atrás do muro de vidro.
Maguébe seguiu depois, rua fora, com seu grande ramo verde debaixo do braço e no pensamento: «a shitututo, a mimova, a shitimela... oh... inkuasu psa Quissimuce ya valungu!»
Um búzio grande soprava na alma de Maguébe as ânsias de um menino sem um balão sequer na mão escura, um reles balão encarnado para ele assoprar, o balão inchando como um sapo enorme.
Os machimbombos passavam pejados de gente com pressa.
Nas lojas há um entra-e-sai ininterrupto como formigueiro.
Maguébe cruza a rua, um carro buzina e passa, rápido, um olhar zangado do motorista a visá-lo da cabeça aos pés.
No bazar as pessoas iam e vinham, de banca em banca, numa lufa-lufa de batatas, legumes e frutas do Transval e também outras coisas que Maguébe nunca tinha comido e cujos nomes não sabia.
Maguébe passou no bazar, vendo, ouvindo e cheirando. Mas o maior milagre de Culucumba era a falta de espaço para a cobiça na alma do pequeno vendedor de ramos de aspargos. Ele não sofria e nunca provara aquelas coisas bonitas que brilhavam do outro lado do vidro das montras. A filosofia de Maguébe nascia e vivia de não saber.
Talvez fossem coisas boas, mais gostosas que o sumo de caju; a tincarosse; a mapsincha madura, mais coisas que não tinha perdido porque nunca as tivera. Talvez mesmo fossem melhores que mavunga!...
Custa é ter uma coisa que dá gosto depois perder tudo!
Maguébe, agora que estava morando na cidade, sentia vontade de provar as coisas dos mulungo. Quando ele descia as ruas gritando: -- Aspargo minha sinhôr!!!, havia senhoras que tinham pena dele e davam comida, às vezes bolos que ficavam do dia de anos do menino. Maguébe ficava contente e comia até lamber os dedos.
Maguébe ficava sentado debaixo de uma sombra de cajueiro, descobrindo o gosto dos bolos até ao lamber dos dedos.Hoje, véspera de Natal, Maguébe sai caminhando rua acima, buscando as moradias, a boca gritando: -- aspargo minha sinhôr... – e os grandes olhos amarrados ainda às paredes de vidro das casas grandes de chilunguine.
-- Aspargo minha sinhôr!!!
Mas a voz hoje perde-se no burburinho da cidade e no barulho dos motores dos automóveis que são os donos das estradas negras de alcatrão
-- Dá bocadinho de pão minha sinhôr...
Espreita nos portões, grita através das grades mas o apelo morre na lufa-lufa dos preparativos do Natal.
Maguébe olha, ajeita o ramo de aspargos no braço nu e lá vai estrada em estrada com o Natal nos olhos, nos ouvidos e no nariz achatado e a luzir em vão no ar embuzinado e festivo:
-- As... par... go minha sinhôr...
Já longe o pregão de Maguébe ainda corta a atmosfera festiva da cidade, paira no ar como um balão suspenso:
-- As... par... go... minha sinhôr...
E nas veias do menino que veio de fundo da Munhuana com seu ramo de aspargos, um batuque estranho bate e repercute pelo corpo todo como se mil demónios dançassem chibugo dentro da sua barriga:
Qui... ssi... mu... ce! Qui... ssi... mu... ce
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José Craveirinha, "Hamina e outros contos", gamado no sempre excelente "À sombra dos Palmares"

Fevereiro

É o mês mais curto do ano, o maior em sonhos transformados em voto útil.
A desilusão fica(rá) para os outros meses, os grandes, aqueles em que se olha para a pandilha e resmunga-se: "- ... e nunca mais é sábado"

A Ana

A Ana trabalha desde os vinte e um e tem hoje cinquenta e dois anos. Sempre para o mesmo patrão, que quando a contratou prometeu-lhe a então longínqua reforma para quando fizesse trinta anos de serviço à causa.
A Ana foi envelhecendo e o serviço foi-se tornando mais penoso com a décalage natural de quem sente no seu corpo e nas suas faculdades a erosão da idade.
Nos últimos anos o patrão não a aumentou e, pior, adiou-lhe a reforma para uma idade em que ela, sente e di-lo, se lá chegar a sua vida estará consumida até ao osso e a reforma sonhada e adiada não será mais que o penúltimo suspiro.
Ela, Ana, sempre teve um horário bonito de olhar mas com contornos pouco precisos quando aplicado. O seu horário é contínuo, na hora de almoço a Ana e os colegas revezam-se em folgas de meia-hora para comerem, e diz o horário que sairá às quatro da tarde, hora bonita porque lhe permite ver ainda o Sol que o frio dos néons lhe esconde enquanto as horas passam, devagar.
Mas já há muitos anos que o volume de serviço aumentou, burocratizou-se, multiplicou-se, e também a Ana foi ficando mais velha, mais cansada. Assim é aos mesmos anos que a Ana nunca sai às quatro da tarde, mas às cinco, seis, sete. No período do Verão ainda vê o Sol quando vai para casa, mas no Inverno é noite quando, cansada, vira as costas a mais um dia e apanha o autocarro.
O que mais custa à Ana são as horas contínuas em pé, o sobe e desce escadote para arrumar os frasquinhos e as caixinhas de medicamentos, o cansaço que a vai dominando enquanto avia os pedidos das enfermarias, dá baixa nas existências e confere a medicamentação que cada necessitado irá tomar. De segunda a sexta-feira, desde os vinte e um e hoje tem cinquenta e dois, rotina que uma nova lei diz que durará até aos sessenta e cinco anos, se não morrer antes.
Mesmo os colegas mais novos e mais fortes também se queixam, mas são mais novos e mais fortes e conseguem despachar o seu serviço mais rapidamente que a Ana, que tem cinquenta e dois anos e desde os vinte e um que sobe e desce ao escadote quilómetros por semana – e tantas que já lá vão desde que fez, sem comemoração, trinta anos ‘de casa’. O patrão alega dificuldades e nunca paga horas extraordinárias, mesmo quando os atrasos não são da demora da Ana em subir e descer o escadote mas sim das muitas mais vezes que é preciso fazê-lo. Nem à Ana nem a ninguém, embora todos concordem que é uma injustiça, embora todos anuam que dez horas de pé, continuamente, diariamente, são uma violência que deveria ser indemnizada.

A Ana hoje olhou para o relógio quando passou em frente à placa que diz “Hospital, SA�, e viu o ponteiro hesitar entre as nove e as nove e meia da noite. A Ana está farta, odeia o escadote, o horário, a SA, e quem se esqueceu dela e do seu cansaço, quem a condenou a mais treze anos de escadote e lhe roubou o Sol ao seu Outono.

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Escrever para o leitor

Tenho entre mãos (ainda no início, primeiras páginas) um livro dum escritor intimista, dos tais que estabelecem um diálogo comigo enquanto as personagens soluçam por desfiar-se na estória que se vai formando. Se esta ainda não cativa porque curta para sentir-lhe cheiros e cores, a ligação estabelece-se e da escrita vem aquele perfume que atrai, quase diria o olho guloso que se fixa nas palavras, e diz-se: - eu quero ler-te, tu estás aí.
Parabéns autor. Conseguiste, mais uma vez vendeste carne e sangue (vendeste? até de graça o farias, confessa-o, escritor…) e libertaste os demónios que a solidão tranca nos dias que serão anos, e um dia ou uma noite brilham-te nas palavras, pretexto de fuga, afinal só a escrita de sonhos e pesadelos íntimos iguais aos do teu leitor. Mas mete medo António, mete medo pensar que se pode chorar de nós assim, com lombada e preço certo que legitima mãos e olhos em nós como se fossem os olhos do bairro que perseguem a rotina anónima, os olhos que surpreendem quando esquecemo-nos de vestir a pele e mostramos as pérolas que em nós guardamos desde criança. Mete medo António, escrever assim; e eu, teu leitor e leitor de todos que assim me escrevam, escancaro também cantos das minhas grutas secretas quando tu me escreves assim, e uma luz ilumina o demónio que gostaria de um dia fazê-lo, também assim.

terça-feira, dezembro 28, 2004

A pétala

Ontem estive a brincar às bonecas com a Carla. Aqui, na Internet, nos sites de Barbies onde se vestem e decoram as bonecas a nosso bel-prazer, combinando roupas e cores de cabelos, em audácia criativa com os mistérios que ela já conhece como um toque de ‘brush’ ou uma pincelada de ‘rimel’.
A princípio meio contrafeito deixei-me seduzir pelo jogo da alta-costura virtual e criei as minhas bonecas em ousadas combinações que lhe arrancaram gargalhadas lindas, das que enchem os ouvidos com a música mais bonita, da felicidade, do amor que é acólito do ser criança e que na nossa curva descendente nos brilha de forma especial.
O momento perfeito, e que hoje acompanha-me desde o acordar, aconteceu quando em saboroso repente ela deu-me um beijo e disse-me com ternura: “como gosto de ti, pai�.

Books do ano

As minhas leituras do ano foram essencialmente duas: a de mim próprio e que tanto bem me fez, e a das almas dos outros, prazer de revelação que, juro-o, nunca mais olvidarei.
Ano fecundo, raiz e útero, seiva que se deseja para o futuro, 2004 foi um ano de boas leituras.

Balanço do ano em 3 linhas

Do decorrido confirmamos que a democracia existe e tem regras que devemos aceitar para reclamar título de democratas, assim como alguns terão aprendido que não há borrachas que apaguem dos currículos as borradas que se auto-infligem.
No ano que se fina alguns descobriram que têm um púlpito chamado blogue, caixa de sabão onde somos uma voz quando o mundo gira depressa demais e dele enjoamos.
Estamos todos mais velhos, mais sábios. Que em 2005 não esqueçamos o muito que o ’04 nos ensinou.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

O antes e o depois

Nas roupas que rejeito, porque cresci, há o cinzento em que também me vesti, e na pena daqueles que desse passado encontro há a pena pelo que fui, tão feio, tão cinzento, nesses trapos da vulgaridade embrulha-se o passado e dá-se um nó.
Porque acabou o tempo em que a futilidade e o oco preenchiam uma conversa e hoje exijo mais para nela participar, dando-me em palavras e não buscando paredes onde me esconder, pintado no cinzento da banalidade. Porque é o meu tempo de falar em amor e prazeres e não no que faz doer, porque despi a farda cinzenta para não a vestir mais e suspiro por cores bonitas para o meu vestir-me, para mim.
Porque este é o tempo depois de ter crescido e afagado o calor da cor, antes era o tempo do daltonismo dos afectos, do cinzento que se veste quando temos medo que nos vejam.
Dá-se um nó.

domingo, dezembro 26, 2004

Comunicado, e porta aberta

Está aqui a chave, sirvam-se à vossa vontade dos carros que quiserem. Há dois andares, não se esqueçam de ver as prendas que estão no outro piso da garagem.
Não consigo meter os links no post em tempo útil, e até já estou a olhar para o post com cara pouco agradável, um olho aberto e o outro fechado... Como não está a correr nada bem e tem resultado incerto, adia-se a entrega de chaves individuais para melhores humores do html e minha paciência reforçada.
Até lá, sirvam-se à vossa vontade dos pópós, escolham cor e troquem um V8 por um V12, façam soar as buzinas, os rádios, passeiem com os carros d'A Minha Garagem à vossa vontade, pois é Natal e todos gostamos de receber prendas. Eu vou de boleia em todos os que sorrirem acariciando um volante do veludo do sonho.

sábado, dezembro 25, 2004

Prendas

Os carrinhos? Já vêem, que isto do HTML dá comigo em doido como pensava que aconteceria... andem a pé, de metro ou de machimbombo, apanhem táxis, mas tenham calma, ok?

sexta-feira, dezembro 24, 2004

100% em cima deles

Hoje, como tantas outras vezes em que já me aconteceu o mesmo, fui passear até ao caro Jumento e perdi a noção do tempo, só descolei quando cheguei ao fim da página.
Puxa, que ele não brinca em serviço e tem base de dados em que não há folhas fora do sítio...

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Post de Natal

Ser pequeno e sobreviver é ter-se orgulho em subir muros, devagar mas vencendo medos e dificuldades. É encontrar companheiros de jornada e uma mão ajuda a outra, é juntos os pequenos serem maiores e os muros mais fáceis de trepar. Ser pequeno e sobreviver é saber o valor da amizade. Que raio de início de post, tipo pensamento profundo, para dizer que sou pequeno, tenho amigos, e ainda cá ando...

Um Bom Natal para todos, e informo que tenho as guias de saída de A Minha Garagem quase prontas, falta escrever o post e dar comigo em doido com umas dezenas de links para escrever em HTML. Já está estacionado o primeiro dos TIR do Pai Natal para carregar pópós pois há lacinhos para longe, embora pense para mim que o estarmos todos perto é que nos permite ser pequenos e sobreviver. Não irá haver volantes para todos os teclados mas que ninguém se rale com isso. Em cada carro há sempre mais lugares e eu, por exemplo, depois de amanhã utilizar o Bentley Arnage Mulliner para ir buscar o Miguel ao aeroporto, deixo-o estacionado ao lado dos outros, com chave e meio depósito, aceitando todas as boleias que aparecerem.

É o meu primeiro Natal na blogosfera, e recebi ao longo do quase ano a melhor prenda de todas: eu sou mais completo do que antes, eu amadureci e, se não posso dizer que sou mais feliz já o poderei afirmar sem rebuço em dizê-lo acerca da minha auto estima, do meu orgulho como pessoa. Se continuo pouco conversador “ao vivo� é talvez defeito cultivado em tantos anos que já é difícil de torcer, mas aqui ‘falo para caramba’ como soe dizer-se, pelo que, também por aí, melhorei. E nada mais digo, só repito o Bom Natal e acrescento um Obrigado.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Passeando no jardim: o "cheirinho da Lóló"

A tarde cai devagar no jardim e as árvores soltam as folhas que cobrem a relva e os caminhos por entre os canteiros dum rasto verde que passos ociosos pisam, fazendo soar estalidos secos quando os pés esmagam as folhas, castigo final de terem abandonado o céu e descido à terra.

Num canto, no caminho menos movimentado e que deverá ser procurado por quem busca o isolamento naquele verde que é ilha, um banco solitário e uma farda solitária que nele repousa. Uma farda que é parte do quotidiano na cidade, e que se confunde na paisagem dos dias e no néon das noites, ora em isolamento dos grupos em que elas se defendem do medo que a cidade cria a quem vive há longos meses os mesmos dias e as mesmas noites em picadas de mato e longe de tudo o que ela oferece, cinemas, mulheres, música, prazer, nos sempre curtos dias de férias que a guerra no norte do país permite, guerra que para tantos só é sua por força duma lei e não dum sentimento.

Olho-a, a farda, olho-o, o soldado, a boina pousada ao lado. Já ele, pose furtiva, observa-me, as mãos inábeis escondendo entre as pernas o que me parece, ainda distante, uma lata semelhante às de gás para isqueiros ou mata-moscas, tipo spray. Ao som do ‘tac-tac’ que o meu pisar extrai às folhas, o meu passear encaminha-se para ele e os seus olhos acompanham-me quando percorro os metros que me aproximam do banco de jardim e do soldado, vejo-o e ele vê-me, eu com o cabelo grande e ele curto, ambos jovens e por certo com poucos anos entre nós. A mão segura a boina, amarfanha-a, os joelhos apertam-se para melhor esconder a lata, ou o que fosse e atraíra a minha curiosidade.

Talvez porque há momentos em que apetece quebrar a solidão com um desconhecido, talvez por um sexto sentido que arrisca sempre mais do que o sétimo aconselharia se a ele se dessem ouvidos, em descuido estudado levo o cigarro de suruma à boca, deixando visível a sua engelhada manufactura, denúncia complementar à reconhecível em sede do de olfacto pois o seu aroma é inconfundível com aquele que emana do verde não incandescente das flores ou o da terra negra, húmida, e os meus olhos fotografam nos dele qualquer sinal de reconhecimento, hostilidade ou simpatia, censura ou indiferença.

Quando entrei no jardim, já com o charro feito e guardado na caixa de cigarros “Palmar� (das grandes, com trinta cigarros, as que eu gostava de comprar), àquela hora este parecera deserto naquela zona mais afastada da avenida e foi para lá que dirigi os passos tragando os primeiros fumos inebriantes, procurando no seu sossego viver as primeiras sensações que o cigarro de suruma traz, quando vi o soldado. A ele e aos olhares furtivos, ao gesto de esconder algo quando viu que para lá caminhava. A atitude de clandestinidade que é irresistível apelo a que a minha curiosidade sucumbe e, entre tragos que espalham exóticos odores pelos canteiros à minha volta, para lá encaminho passos casuais e os tais aromas denunciadores, ora confirmáveis visualmente com a exibição da sua tosca e mal amanhada proveniência. Os seus olhos reflectem o que vejo, um descontrair facial abandonando o receio e a hostilidade que a intromissão no seu território provocara.

Terá sido um gesto mudo de oferta do charro, terão talvez sido palavras, já não me lembro. Enquanto a luz da tarde cedia lugar ao vermelho do céu que escurece, sentados no banco mais fundo do Jardim Dª Berta Craveiro Lopes, bairro do Malhangalene em Lourenço Marques, partilhou-se o cigarro surumático e, com um soldado desconhecido, fiquei a conhecer o “cheirinho da Lóló� e aprendi como reconhecer outros soldados dele adeptos. Houve em mim um alarme que soou e que contribuiu para nunca mais experimentar o “cheirinho�, porque nunca o procurei e podia tê-lo feito; em mim algo sentiu que pisava um risco virtual, que se pisa curricularmente mas que defesas inconscientes alertam para não ultrapassar.

A boina é o sinal e marca. A boina militar denunciadora na mancha que descolorira o seu tecido, alva auréola em cores guerreiras que identifica o “cheirinho da Lóló�, pois é nela que o spray é derramado para ser inalado, provocando segundos de ‘flash’ cerebral onde as copas das árvores giram e o céu cresce, a luz brilha como antes não o fazia numa onda intensa de cor, e, por fim, o cérebro adormece os olhos e a sensibilidade esvai-se dos membros numa modorra que adormece a pele, longos minutos em que o corpo está não estando, a sua ausência é notada, consciência contraditória. Depois regressa o jardim e os seus canteiros e as folhas no chão, os carros na avenida soam como antes soavam, longe, tudo regressa com as pessoas que caminham entre as árvores que não o fazem porque gostam de ali estar.

A lata escondida era dum anestesiante, pelo que então aprendi fornecido aos militares para atenuar dores de sempre possível estilhaço, bala, ou ferida de mero acidente de andar no mato, e que muitas vezes era guardado nas mochilas para além do regresso ao quartel. Eis o “cheirinho da Lóló�, evasão militar ao ‘rush’ da guerra e do isolamento em povoações e quartéis perdidos em mapas do tamanho dum país imenso, onde as bolinhas grandes assinalam as cidades onde o néon brilha, e as pequenas aquelas onde tudo falta, incluindo um néon que não evoque demónios como o “cheirinho da Lóló�. O soldado, nas tais férias militares que as companhias gozavam na ‘capital’ após longos meses de mato, talvez porque preso de amores à sua amante fiel durante esse tempo de isolamento que parecia interminável, trouxera a lata e não prescindia duns sôfregos ‘snifs’ à boina, como a denunciadora mancha esbranquiçada atestava.

Foi assim que conheci o “cheirinho da Lóló�, sub-produto da guerra colonial que num fim de tarde me foi apresentado num banco de jardim de LM por um soldado desconhecido, princípios dos anos setenta do falecido século de todos os enganos e desilusões, mas também de todos os sonhos. Já em Portugal e muitos anos depois, pela imprensa e tv’s soube dos meninos da rua das nossas ilhas, com a mega-Lisboa à cabeça, que utilizam cola para inalarem por minutos a ilusão que vença a miséria em que vivem. Talvez como o soldado solitário do banco de jardim, talvez como os solitários do mundo procuram os seus “cheirinho da Lóló� em múltiplas variações e máscaras, simulando que o real é diferente e que as copas das árvores vergam-se no céu que brilha, afagando-os como eles sonham que alguém o deveria fazer e em indesculpável omissão a humanidade esqueceu-se. Talvez o spray fosse a ilusão protectora à realidade que o cheiro da cola trará, talvez a boina descolorida fosse só mais um trapo denunciador do absurdo que a guerra é, pois não esconde na sua farda os gritos mudos de quem as veste.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

(Canivete suíço)

... portanto um "Mulliner" é uma fantasia; não existe mais que em forma virtual, e um pouco porque há um blog que o cita como multi-funções onde tudo cabe e muito conserta, gruta íntima que não se exibe sem quebra de decoro, guarda-fatos de máscaras ao nascer do dia.
Será, para quem gosta de automóveis, o equivalente dum de ferrenho do futebol que sonha ver 'in loco' todos os jogos da fase final dum Mundial, um gastrónomo desenganado ser convidado para actor dum '2' de "A Grande Farra", ou o Zé do Telhado sonhar que é empossado Governador de Fort Knox. A orgia final, o orgasmo público do sobretudo de Notre Dame, quiçá o sorriso mais idiota do bairro.
Um "Mulliner" é um devaneio, dama furtiva que se aloja pela calada da noite em lençóis de cetim sussurrando carícias de seda, em resumo e para não aborrecer mais, onanismo em quatro rodas. Multem-me por indecoro público e sevícias privadas, mas deixem o sonho voar, seja ele em roupa de Escort* ou na que qualquer outro sonhador ousar usar como matéria moldável, treze no totobola, um beijo inesperado.
Um "Mulliner" é o poema que se desfia em canto de museu olhando a cor do sonho alheio, o resto do fim do tempo em que à mesa da arte se sentavam também os artífices destes e doutras jóias exclusivas, cadeiras hoje vagas pois os robôs bebem óleo. É o luxo de fazer-nos sorrir quando da janela para fora o tempo molha o viver e, terminando, eu uso o meu "Mulliner" sempre que posso.
* Que, sexta-feira, duas da tarde, vai levar-me aos braços do meu filho que vem dos 'states' passar umas desejadas férias. Nesse dia o meu "Mulliner" privado será parco para o orgulho que transportará.

O que é um "Mulliner"

Bentley Motors is delighted to confirm that the unique Arnage Limousine concept, created by its Bentley Mulliner coachbuilding division for the 2004 Geneva International Salon is to be put into a limited production run. Such has been the demand following its unveiling, 20 individually numbered, bespoke Arnage Limousines will be commissioned for customers looking to own a truly luxurious car that provides extraordinary levels of comfort and craftsmanship as well as valuable privacy.
In the same spirit as the coachbuilt Bentleys of the 1920s and '30s, customers will be able to commission a car to their own specification, and create a unique statement that will be valued in the future. Like the spectacular Speed Six and 8-litre Bentleys that wowed the motoring world in their Roaring Twenties heyday, the Arnage Limousine will represent the pinnacle of handbuilt, individually crafted luxury cars. Nothing can come close to its unique qualities, nothing will match its rarity and value.
The decision to begin the limited production run is the result of strong customer demand following the unveiling of the Arnage Limousine in Geneva in March 2004. Those customers recognised in this beautiful Bentley the opportunity to own an authentic, coachbuilt limousine that blends that brilliant craftsmanship with an almost limitless variety of specification.
The Arnage Limousine is a car that could only be produced by the world's most accomplished luxury carmaker, Bentley Motors, whose coachbuilding division Bentley Mulliner is simply second to none. Unlike other limousine builders, whose customers are forced to choose from a limited list of options and specifications, Bentley Mulliner provides bespoke answers to any question a Bentley customer chooses to ask.
Echoing Bentley's acclaimed past - when customers would personally commission a coachbuilder such as HJ Mulliner to design and fit a body to a Bentley chassis - the process of ordering and owning an Arnage Limousine will entail the same degree of creativity and attention to detail. It is this unique service which makes an extended wheelbase Arnage the limousine of choice for those looking to create a car unlike any other.
When a customer decides to order an Arnage Limousine they will receive a level of service commensurate with their status as a buyer of the world's most exclusive limousine and have access to a personal team of account managers and designers. At the start of the process, customers will be offered a 'blank canvas' by Bentley Mulliner on which to express a vision of their ideal, bespoke car. Each customer will be able to communicate directly with the factory through their personal account manager, while a Bentley Mulliner designer will visit their home or office during the pre-production phase to assess the prospective design criteria and assist in interpreting their requirements for such a highly specified car.
By starting with this 'blank canvas', Arnage Limousine customers will be able to choose between palatial interiors or fully-integrated mobile offices. The scope for personalisation is as wide as the customer's imagination and whilst the concept is still in the virtual world of computer-aided design, styling sketches and renderings, Bentley Mulliner can be as flexible and creative as that vision demands.
Following delivery, customers will be visited on an annual basis by a factory representative, who will undertake a full inspection of their car. This service is offered for the duration of the Arnage Limousine's warranty.Extended cabin means total luxury, complete privacy
The Arnage Limousine is designed for those who value their privacy and are not prepared to compromise when on the road. By widening the 'D'-pillar behind the rear doors, the Arnage Limousine's designers have fashioned a deeply recessed seat area that provides a safe and shielding cabin for passengers, as well as significantly enhanced rear legroom. In addition, a smaller rear 'privacy' window adds to the feeling of seclusion and ensures back-seat passengers are kept well away from prying eyes.
To create that broad 'D'-pillar and enlarged interior, the Arnage Limousine has been designed with a generous wheelbase measuring a total of 3566mm (140.4 inches). This ensures that passengers will enjoy all the benefits of a longer cabin. To retain the car's aesthetic visual balance, an extra 200mm (8 inches) is located in the 'D'-pillar alone, a further 200mm is added to the rear doors and a final 50mm (2 inches) in the front doors. This process was carried out entirely by hand, a challenge that could only be attempted by Mulliner's brilliant craftsmen and women, according to Ashley Wickham, head of projects, Bentley Mulliner:
"The Arnage Limousine is the epitome of Mulliner craftsmanship," he says. "Everything you can see - from the beautiful line of the new D-pillar to the stainless steel sills - was shaped by hand. That's why a Mulliner-built Bentley can take up to 6000 man hours to complete. It is a labour of love."
A perfect appearance is not just important for our passengers, it is imperative for our cars as well. Aesthetic purity in design and shape has always been the hallmark of Bentley cars and, as has been recently observed by many influential commentators, the bigger the car, the harder it is to retain a degree of subtlety and understatement. The Arnage Limousine, however, achieves that visual perfection, succeeding in being stately and imposing without appearing vulgar or ostentatious.
By evenly distributing the extended areas within the car's wheelbase, the graceful balance of the classic Arnage silhouette is retained. To round off its aesthetic impact, the original Geneva International Salon Arnage Limousine is finished in dual tone paintwork, with a Royal Burgundy cabin, bonnet and boot sections on top of black side-panels and nose. Unique stainless steel sills and bumpers act as a visual counterpoint to the two-tone colour scheme.
To emphasise Bentley Mulliner's desire to start with a blank canvas for its customers, the interior of the Arnage Limousine shown at Geneva has been kept deliberately restrained. A classic combination of linen and burgundy hide is mixed with a dark burr walnut veneer, the effect being to produce a cabin that is light, spacious and open to interpretation as customers see fit.
Technology under the skin and at your fingertips
Although customers will start with a blank canvas, 'Number One' in the limited run of Arnage Limousines does have certain special features designed to illustrate just what Bentley Mulliner can offer. Split rear seats will come as standard but in the concept car these have been replaced with a broad, rear bench that provides an inviting and sumptuous place to relax, while optional electrically-powered rear foot rests that slide backwards and upwards to support your calves allow passengers to recline in total comfort. Lastly, a rear DVD entertainment system is fitted, with twin 12-inch screens mounted in the rear of the front seats. All these options and, of course, many more will be available on every Arnage Limousine.
Again, the imperative is providing choice. Our entertainment and communications technology can take the form of individual LCD televisions or a single wide- screen plasma unit that can be stowed from view when not required. The rear compartment can be provided with options such as an on-board computer with Internet access, a cooled refreshment cabinet or cigar humidor.
Bentley Mulliner's expertise in bespoke interiors does not mean attention is taken away from the critical design and engineering requirements of such a complex car. As with the remainder of the Arnage range, the Limousine benefits from all the modifications announced for the 2005 model year, meaning it carries the revised front end design introduced to lend Arnage an even stronger visual identity within the Bentley model line-up. Twin individual headlights reflect the styling direction evolved for the Continental GT Coupe and the bonnet line is raised to give a more purposeful appearance.
The Arnage's interior centre console is also completely revised with new, unique switchgear for the air-conditioning controls and repositioned switches for the electric windows and seat and mirror adjusters. The satellite navigation system is re-engineered to give a more integrated, attractive appearance on top of the dashboard.
Bentley's renowned 6.75-litre twin-turbocharged V8 engine provides the Arnage Limousine with the sort of performance you would expect from any of our cars. The Bentley hallmarks of phenomenal power (400bhp) and colossal low-down torque (616lb ft/835Nm) mean the Arnage Limousine will accelerate to 60mph in just 6.7 seconds. Despite its remarkable power output, the V8 engine also meets stringent Euro IV and US LEV emissions standards.
To allow the car to cope with such impressive performance, the Arnage Limousine's chassis is based upon the Arnage's formidable underpinnings with strengthening where required. Double wishbone independent front and rear suspension with uprated springs and reinforced subframes works in unison with the computer-controlled adaptive electro-hydraulic damping system (ARC) to provide a refined ride at all times and high levels of grip when needed. Uprated 8-cylinder front and 4-cylinder rear brake callipers operating on ventilated alloy brake discs produce awesome stopping power time and again.
To ensure complete security on top of unparalleled privacy, the Arnage Limousine may be specified with armour protection. When armouring is specified, it is the first, and not the last task to be performed upon the bare bodyshell. This brings several advantages. It allows the whole body shell including armour to benefit from comprehensive anti-corrosion protection and paint top-coats. It ensures engineering integrity, allowing armour and energy absorbing materials to be placed precisely where needed for optimum protection. It enables weight to be distributed in a way that makes the least effect upon handling and ride; and above all, it ensures that the protection is discreet and, to the casual observer, all but invisible. As the armour protection is an integral part of the car, the full range of Bentley interior features and options can also be specified without restriction. Mulliner - a coachbuilding history like no other
"Bentley Mulliner has one purpose - to provide our customers with the Bentley that they want, not the Bentley we want to sell them," says Derek Davies, brand director, Bentley Mulliner. "Many of our customers are used to a certain level of service from other car companies, but without fail they are amazed by what we can do to meet their needs. Other carmakers may claim to offer thousands of choices but Bentley Mulliner's option list is genuinely infinite - we will do whatever it takes to provide the bespoke car. Put simply, no two Bentley Mulliner cars are the same because no two customers are the same."
That extraordinary level of service has been part of the Bentley Mulliner package for decades. The Mulliner name has been synonymous with the finest coachbuilding traditions for nearly 250 years, when it built horse-drawn coaches for the Royal Mail. In the automotive era it turned its attentions to producing some of the finest and most famous bodies for many legendary Bentley cars.
In fact, 2004 marks the 80th anniversary of HJ Mulliner's first work for the company, when the firm produced a Mulliner Bentley for the 1924 London Olympia Show. Its most famous creation, however, was the R-Type Continental of 1952, the fastest four-seat sports car of its era, and the inspiration for today's Continental GT. Indeed, of all the Bentleys in the company's history, it is safe to say that the R-Type Continental stands alongside the original 3-litre and Speed Six as the most important and influential of all cars to wear the winged 'B'. Their blend of power and grace, allied with an unrivalled status as the luxury sporting saloons of choice, made them the iconic Bentleys of the 1920s, '30s and '50s.
Rolls-Royce and Bentley Motor Cars bought Mulliner in 1959, merging it with the Park Ward concern to form its own coachbuilding division, called Mulliner Park Ward in 1961, and it is this company from which today's Bentley Mulliner is directly descended. The company remained in London, building the likes of the Phantom V1 and Rolls-Royce Corniche, before moving to Crewe in 1993. In 2002, in recognition of the ever-increasing importance of coachbuilding to Bentley, the rapidly expanding organisation was renamed Bentley Mulliner and charged with answering the ever more varied and challenging demands of the 21st century Bentley customer. It's an approach that seems to be working: last year saw Bentley Mulliner increase its turnover by 105 per cent and 60 percent of all Arnages ordered came with some form of Mulliner personalisation.
Bentley Mulliner currently employs around 130 world-class experts including coachbuilders, trimmers, cabinet makers, electronics specialists and fitters. All work in a dedicated workshop within Bentley's Crewe factory that includes its own wood and trim shops, as well as steel fabrication and tool making areas. A limited number of features can be installed in the main factory as cars pass through the standard production process, but usually, once a Mulliner car's basic structure has been assembled, it passes over to the Mulliner workshop for completion. The time taken to create a Mulliner Bentley clearly depends on the extent of the customer's wish list. An Arnage Limousine with a high level of unique cabinetry and technological infrastructure could easily take upwards of 6000 man-hours to complete. By contrast, a mass produced limousine from a mainstream manufacturer might be built by robots in less than one hundredth of the time.
That said, Bentley Mulliner is just as comfortable with less extensive commissions - many owners simply want a few small touches to personalise their car, and to put their own signature on it. The popularity of this almost infinitely flexible approach is proven by the fact that half of all Bentley Arnages benefit from some degree of Mulliner attention.
The Bentley Mulliner Arnage Limousine is just the latest in a long line of remarkable cars crafted by the world's most respected coachbuilder. In an era of automation and 'just-in-time' production lines, the car is an ideal reminder that the rare combination of luxury, technology and craftsmanship can still be found in one bespoke package.
(Text and photos courtesy of Bentley Motors Limited)
Gamado aqui

"EVA do Natal"

Hoje, há minutos, meti num Grupo MSN o conto que abaixo reproduzo, e não é só para encher espaço por não escrever 'posts' há uns dias. Está engraçado.
Aqui, carece duma explicação sumária sobre algumas personagens, e que são:
"Eva": uma loira insaciável, mulher-fogo que nasce em aventuras eróticos com alguns episódios no Baú deste.
"Demmis": basquetebolista grego-americano que joga virtualmente no Ferroviário de LM, e goza a vida como mais nenhum. Um mangusso puro, daqueles que atrai pitinhas só por existir.
"Dª Amélia": ... das Mahotas, ourives afamada e que uma geração masculina não esquece, principalmente a militarmente mobilizada.
O "Frei", já sabem que é o devasso que aqui habita, em condomínio com insolúveis e pecaminosos problemas de gestão.
O resto, podem tentar descobrir no link que deixo a final, para o site onde estão os anteriores episódios burlescos desta saga (estão de 'trás para a frente', deverá iniciar-se pela página das primeiras mensagens; existem duas, e a pagina das mensagens abre por defeito na mais recente).
O João1 é o meu amigo João de Abreu, criador do site MSN Lourenço Marques - Maputo - Moçambique, que vive angustiado com os meus devaneios erótico-literários, descaradamente publicados num grupo de discussão que ostenta na porta 'para todas as idades'. Mas ele gosta duma boa brincadeira e dum texto apimentado...
Aqui vai então:
..............

"Eva pousou a revista no regaço e deixou o olhar perder-se no horizonte onde a mancha difusa ganhava contornos familiares, e suspirou. "-Outra vez. Ele"

Começava assim uma aventura da festa que é escrever nonsense com umas pinceladas eróticas, com o fito exclusivo de azucrinar o João1 ( :-) ) que, mal lê 'Eva', vem logo lesto de fita métrica e lançando olhar avaliador à saia acima do joelho, quando me lembrei da revista ‘Eva de Natal’, do ícone que é duma época em que as tv’s não ofereciam máquinas de lavar e viagens a Cancún como se duma campanha eleitoral permanente se tratasse, e sonhava-se Natal a Natal com um carro, um prémio que era disputado por clientes fiéis a quem as senhoras das tabacarias começavam a inquirir pelo São Martinho acerca das reservas para a ‘Eva do Natal’. A revista mais popular do país, chegado Dezembro.

Mas a memória deve ceder ao brilho da pele de Eva, os pêlos louros brilhando ao Sol que iluminava o princípio da tarde em Xinavane. Os seus olhos brilhavam do desejo que a acometia e os músculos tremiam ligeiramente, em desejo de apoteose dos sentidos que a dominava e erguia o peito sob o seu arfar, fazendo os bicos dos seios sobressaírem como estranhas rugas vivas na t-shirt que vestia. O vulto ao longe já não enganava, e as suas memórias voavam a outras tardes, quer estendidos no longo areal da praia da Costa do Sol após um almoço no restaurante do primo, quer em quartos de hotéis baratos e, durante mês e meio, na casa da amiga Dª Amélia, nas Mahotas, zona de cheias e doutras calamidades, pois até mangussos enchiam as suas noites dum exotismo como nunca encontrara em �frica, desde que para lá emigrara num vapor da Companhia Colonial de Navegação, fugindo a amantes mais possessivos e ao frio dos lençóis em Lisboa.

O aconchego que a sua insaciável feminilidade felina rapidamente reclamara, chegara com aquele estranho grego, a pretexto basquetebolista mas, parecia-lhe desde a primeira vez que os seus olhares se cruzaram, mais um dandy do Pireu que passava por ‘americano’ num báskett que enchia pavilhões e fazia as noites de quartas e sábados serem uma festa constante, um mero tipo que gostava de gozar a vida, tinha ideias fortes nessa convição e praticava-a ao sabor da maré. Por ele (e rezarão algumas crónicas d’época assim), teria jogado nos All Stars de Vegas, num monte da Lua ou, até, numa equipa de Nellspruit onde um certo empresário o descobrira, e importara para o Ferroviário. Um globe trotter da vida, sob capa da bola ao cesto.

Ela, sempre mulher de muitos ardores e lábios permanentemente molhados, sorrira à sua figura alta e desengonçada, estremecera com os seus olhos sorridentes e inteligentes e admirara a boca de lábios grossos, encimados por pequeno bigode. Sobre o todo uns pequenos caracóis que lhe davam – em benesse que o leitor concederá… a mínima genética helena que a já literariamente assumida obriga.

Demmis, nela, certamente muito encontrara que fizesse fixar o olhar e o desejo, e juntos os seus corpos celebraram ritos animais em que os seus ser explodiram em hino ao viver, à sensualidade convertida na posse completa do outro, pela entrega total. Mágico, e disso ela e o seu corpo sentiam saudades, chamemos-lhe também animais…

Após aventuras várias que meteram um tipo engraçado que todos chamavam ‘o preto do gabão’, rapaz de fenomenais recursos e alguma imaginação, Eva e Demmis juntaram mochilas com a Dª Amélia, ou melhor: fizeram uma salganhada com elas pois no saco-cama XXL dele chegaram a dormir os três, em prova de esforço do material comprado nos salvados dum exército que mudara algo precipitadamente de quartéis.

Mas tudo isso foi depois da sua estadia em Xinavane, então conjunta e que, pelos vistos dado que o outrora vulto eram já as suas inconfundíveis Levi’s 501 com um autocolante da Harley-Davidson num joelho, novamente em parceria, embora ela julgasse-se ‘a solo’ até há quinze minutos atrás, enquando folheava a revista e recordava os natais lisboetas, ‘continentais’.
O cabrão do grego chegara, até já tinha o descaramento de sorrir-lhe e ela, sentindo todo o seu corpo sorrir de desejo que a fazia ruborizar e, passando a mão de leve pelas pernas, sentindo os músculos contraídos, ferventes de excitação, levantou-se para o receber, deixando cair, vencida, a toalha que tinha sob o bikini que usava – encomenda que recebera ontem, via ‘pony express’, de remetente anónimo e com um pai natal de chocolate ao lado.

Aquele grego d’um raio sempre a perturbara como mais nenhum homem antes o conseguira, mas ela não reconhecia em si os sinais de paixão, não se sentia apaixonada.
Ocasionalmente até pensou nisso, mas faltava o toque romântico que compõe o ramo. Com ele, Demmis, era pelo corpo e pela maluqueira. Sexo e divertimento, pois se naquele era senhor de improvisações que faziam as noites serem premiéres contínuas, a sua atracção pelo insólito e o íman que era para a aventura, esses eram os ingredientes da panela que a fazia ferver, faltando os cheiros que, lamentava reconhecer, ele não transmitia, pese a força do fascínio do seu corpo suado, viril.

Já os corpos caminhavam para o abraço em que as peles se fundem e

(Veio o Frei e apagou a luz. Tenham mas é juízo, que é Natal. Comprem a Eva e podem ganhar uma batedeira eléctrica… lol) "


Web

Mais "Demmis" e "Eva" em: A Saga de Demmis

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Identidade

Em conversa com a minha filhota cheguei a uma conclusão (provisória...) sobre a minha identidade cultural: não sou africano nem europeu, sou afro-tonto.
Ora toma..!

terça-feira, dezembro 14, 2004

Pensamento de Natal para blog

Aceitando que a blogosfera portuguesa é uma elite, mas muito alargada; aceitando que a média é boa e o muito bom abunda; aceitando ainda que, com excepção dos poetas e adoradores da Lua, todos criticam porque desejam melhor, e dando finalmente como certo que a lista de novos links tende a multiplicar-se em favor das aceitações anteriores, tenho por natalícia conclusão que o futuro de Portugal é radioso e muito ficará a dever a esta geração pioneira que o deitou em divã, e em blogues o curou.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Um dia

Sinto-me reflectivo, como se estivesse em período pré-eleitoral, naquelas horas em pesamos a decisão e naquele arrastar de pés final para que a minha opinião seja contada.
É da época, penso nos filhos, na família - o nosso pequeno mundo, e em todo o resto que existe, balanço de ano, eterno balanço de vida onde se valorizam as paixões ao espreitar do amargo dos insucessos.
Falta-me a anestesia das prendas, a agitação ritual e – porque não confessá-lo… a ilusão de normalidade que o espírito proclamado da festa induz, para sonhar essa Paz que deve ser o porto mais ambicionado por quem persegue faróis longe de praias, nos picos das ondas que a humanidade pulsante gera. É a festa perfeita, a mais politicamente correcta de todas e não quero perdê-la, - que não seja nesse dia que vejam que estou ausente, que tudo corra bem e o meu sorrir não seja de pânico por lembrar-me de como são falsas as ilusões.
.......

Em Fevereiro ele vai a votos. Que pensará? Está na idade em que ‘ou avança ou não’, e recebeu o maior enxovalho político que assistimos nos últimos anos: despedido por incompetência. Flutua num mundo de interesses onde são mais as agulhas que furam o seu balão de ar que as mãos que o mantêm a flutuar. Em Fevereiro (se chegar até lá, se lá dentro não o despedirem antes do prazo, também…) vai ter o seu maior exame e onde todos adivinham o seu chumbo, e ele sabe que 'tem' de safar-se, como sempre fez desde que descobriu que era 'uma boa' ser político... Que pensará Pedro Santana Lopes, que armas utilizará em abuso de uso enquanto primeiro-ministro de gestão? Quem sempre olhou o Estado como sua segunda casa e gentil provedora das pequenas necessidades da sua outra vida, alcança o topo da decisão e vê-se dele afastado sem carta abonatória, não terá a tentação de, com o sempre eterno argumento da decisão política, carimbar uma campanha eleitoral (e incluo a terrível pré) com a vergonhosa mancha da utilização do Estado e dos seus cofres como colador de cartazes? Bagão vai engolir mais uns sapos na ‘negociação’ dos aumentos, as vírgulas do Orçamento vão ser espremidas para subsídios avulsos que ultrapassem o máximo orçamentado, aprovado em parlamento? Os aumentos no Estado são a bitola que é sempre vista em cima das outras mesas, o dito ‘tecido produtivo’. Adivinho greves, adivinho o PC a ressuscitar a CGTP como força de combate de rua e o Jerónimo na primeira fila em cantares alentejanos, vejo Sócrates metido em maus trabalhos – e que não pense em Jaime Gama na AI, que fico logo desconfiado em relação a todo o resto.
Anos 70’s, uma manif no Largo do Camões, um morto pela Polícia; ele era o ministro e nunca o li desmentindo que a ordem de carga tenha sido sua, pois a tal nível chegou o lavar de mãos subalterna. Nada de especial, dirão, há dezenas de anos que infelizmente morrem manifestantes em Portugal, em ditadura e em democracia. É uma das minhas desconfianças de estimação, pois vivia em Lisboa quando aconteceu e impressionou-me muito que um ministro socialista mandasse reprimir em força uma manifestação de esquerda. Não estava lá, mas podia ter estado: eu vivia por lá e assisti a tantas cuja convocação desconheci e que até achei bem argumentadas, pelo que podia esta ter-se-me cruzado nas calçadas lisboetas.
........

Hoje não está ser um bom dia, chega de pensamentos, argumentos ou memórias. Vou convidar a Carla para ir comigo lanchar uma bifana, destas típicas de Almeirim feitas no bom pão caseiro que por cá se chama "caralhotas" :-)

domingo, dezembro 12, 2004

Belém...! Belém...!

Calhou agora saber! Ainda não está no intervalo e... "ganho" por 3 secos...!
Não resisti a vir aqui, quero lá saber se dou azar... estes três é que já ninguém os tira e não acredito em reviravoltas mágicas.
Belém...! Belém...!

sábado, dezembro 11, 2004

O Natal

O que aqui disse em mensagem de Natal, tem a mesma essência para a blogosfera mas com responsabilidades acrescidas. Porque desprovido do berço africano com as naturais empatias que são de imediato concedidas pelo atravessar comum da história, e tanto e tanto pormenor duma vida que foi também tão comum que, por certo, fequentamos os mesmos cafés e vimos os mesmos filmes sem nunca repararmos uns nos outros como hoje (outra idade, também é certo...) o fazemos, benevolentes no acarinhar das memórias que são de todos.

Na blogosfera será diferente, se me permitem distinções em mundos virtuais que percorremos como se de cidade nova com ruas e bairros a desbravar e a conquistar os seus segredos se tratasse. Na blogosfera este Natal contínuo que recebi de prenda há um ano atrás iniciou-se só em finais de Fevereiro com o Xicuembo 1 e, embora o mote de seu arranque tenham sido as minhas memórias moçambicanas e intervenções politizadas sobre a história em mutação em que participei, estando, no blog outras asas nasceram e foram acarinhadas por tantos para quem �frica será um continente ignorado sem que sintam falta de raízes por tal. Os nicks dos Grupos MSN são substituídos como referência pelas páginas que publicam, os seus blogs, e os horizontes alargam-se a outra intimidade, a do leitor que também é lido, comentador-comentado.

Aqui como lá tenho vivido um Natal constante, tais as prendas que recebo e dou, e o prazer que tanto umas como as outras me dão... leio tanto que me alegra, outros dizem o mesmo de mim, estas 'prendas' que em posts editamos e que tantos anónimos lêem com o gosto de quem abre um livro e vê que - sim, acertei..., este Natal contínuo que a blogosfera vive e em cuja árvore mil e uma estrelas brilham nos seus links, esta festa ao ego que é o escrever e ser lido, eis que tudo isto merece uma referência especial. Recebê-lo também aqui, blogosfera, foi outra dádiva de luxo e que guardarei como canto de memórias especial, bálsamo até se um dia precisar de evocar o bom a recordar.

A todos os bloguistas, simples leitores (ainda os há? que esperam para dar-nos o vosso link?), a toda a blogosfera os meus desejos de

UM FELIZ NATAL, COM MUITOS E BONS POSTS

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Prémios

O jpt abriu a época natalícia com a atribuição dos seus Gandulas, e recebi "Aquele Abraço", que muito me sensibilizou.
Assim, com sincero desejo que se divirta cedo-lhe a chave d' A Minha Garagem por uma semana inteirinha, antes de começar a distribuir o recheio pela blogosfera - este é o Natal Vrum-Vrum.
Jpt, toca a acelerar de Lamborghini até à Costa do Sol, ou a visita à Maschamba de Hummer, quem sabe uma voltinha pelos cafés num descapotável dos anos 60's!

A mão que voa

Ao ler a entrevista de António Lobo Antunes no último “Expresso� – suplemento ‘Actual' – houve uma referência que me fez sorrir pois lembrou-me os meus primeiros tempos nestas andanças e um comentário que uma cúmplice então me fez.
Foi a alusão àqueles momentos em que o escritor vê a sua mão como ser autónomo, dotada de capacidades prosadoras próprias, e debita linhas atrás de linhas sem parar, sem que se consiga ou queira parar o fluxo de palavras que se estende pelas folhas, metade de mim, metade da mão com vida própria, a que voa no céu que é escrever a alma, nossa e dos outros, que a mente sonhou. Nessas ocasiões, o escritor é quase um espectador atónito perante a mão que vence a folha de papel em branco, esse fantasma que atormenta quem tudo faz por imaginar-se escritor, criador, escrevente de emoções, e assiste fascinado à sua mão que, corpo estranho, vence o medo e solta as palavras que se devem escrever.

Claro que a mão é minha, tua, do António ou da Teresa e a paixão tem de ser prévia, há que morder a maçã antes e descobrir que faz bem à alma abrir cortinas e mostrar os sonhos, soltar aquele que gosta tanto de ler os outros que, - também ele!, quer contar algo em letras alinhadas para que alguém, lendo-o, lhe dê um abraço ou uma piscadela de olho, reacções que se eternizam na leitura intemporal e que o escritor ambiciona ao prosar e em prazer supremo sente-as, difusas pelo tempo que se escoa, mas presentes quando em presença de alguém que o leu e, talvez, à sua mão que voou livre, clara ao contar-lhe segredos que só o leitor compreende.

De vez em quando dou a volta que mais desejo e procuro amigos cujo contacto nasceu virtual e por aí comunica diariamente, tertúlia que não se dispensa mesmo que em mesa retirada, um olhar vago ao mundo e navegando no doce retiro do pensamento, mas mesmo nesses isolamentos periódicos, sempre com o ruído de fundo a serem palavras que estimo – e por isso não enjeito oportunidade de olhar nos olhos quem as escreveu, sorrir a quem eu gosto. Aí, nesses momentos em que os silêncios não são corpo estranho pois muito do essencial já entre nós foi escrito e lido, penso na mão criadora, livre de amarras e que correu solta no papel enchendo-o de si mas como que acto de outro, dum estranho, gémeo de húmus criador onde em gesta inesperada ela, mão que voa, brotou. Penso que lemo-nos como nunca falaríamos – porque a oralidade é condicionada a tantas outras sensações como o pólen que me atrai ou o Sol que me aquece, que todos conhecemos uns aos outros a mão que por vezes voa, e escreve. Sinto-me e sei-me cúmplice de momentos mágicos, jardim místico que sacia desejos pois ele é um templo e quem escreve é seu crente. Pela mão que escreveu, pelos dedos que doíam mas a mão não parava, insensível na sua vida própria e que corria pelo branco do papel em frenesim que não se detinha, voando.

Eis o que procuro, ela procura o mesmo. Ela que foi a tal cúmplice que me falou pela primeira vez na mão que voa em impulso criador próprio, e que então reconheci como alguns momentos estranhos que tinham roçado o meu patamar, deixando-me a sonhar com uma visita mais assídua. ALB evocou-a e isso fez-me pensar em como já bebi do cálice mas em como ele é esquivo para lábios tão sequiosos e, como eu, a Isabella, o Lobo Antunes, tu, todos os que amam a nobreza da escrita, e felizes são os que dela recebem mais que um afago ocasional – eis os que poderão gabar título de escritor pois têm a ‘mão que voa’ como habitante do seu mundo, e escrevem aquelas palavras que são a diferença para quem as lê como sendo também suas, comungando letra a letra o sentir do escritor que a mão criadora escreveu.

Há aqueles momentos em que o olhar se funde nos objectos em cima da secretária, vago porque perdido no nada, no oco seco do medo, perdido no fiozinho que se quebrou e calou a mão criadora. Mão preguiçosa, mão lenta em testemunhar o resto que se pensa e se esvai sem ser gritado em letras que eternizam, sangue, pus, as tais lágrimas mas muitos sorrisos e tantas ternuras. Nas palavras de Lobo Antunes li a sugestão de como aspirar a bilhete de acesso ao show da mão criadora: disciplina de escrita, insistência, exercício constante, em resumo trabalho. Por miúdos e em bom português, não se marca um golo sem entrar em campo, não há mão criadora se não houver mão disciplinada, que encha folhas em branco, forma cerrada, feia, chata de ler, para permitir vez a que a ‘outra’ surja como janela que se abre sobre um mar que não tem limite, e brilha.

Ando aqui de casa em casa, tendo adormecer o cérebro com futilidades, resmungo sobre a qualidade do template, ou se faz frio ou porque não chovem políticos que o saibam ser, tudo mil e um pretextos para que a caneta não cumpra a sua arte e dê uma oportunidade séria a que das letras saia algo que seja nascido para recordar quando passamos o olhar pela estante das coisas boas que lemos. Pedaços de liberdade em mão solta contados, lidos como escritos por mão solta de tanto e de tudo, como se doutro fossem nascidos, como um livro que se compra e gosta-se de o ler, enviando a tal carícia que o escritor magicamente sente.
Como eu os sonho, serão jóias que recebem as carícias que o diamante inveja quando é a mão que pensa por si, pois as palavras não são ditadas pelo consciente, já alvo de posse dum outro poder criador que domina a mão e verga o branco da folha às letras que se sucedem, enchendo-o de letras, palavras, frases, sentido, contando a vida, o eu, o tu, a beleza que esmaga do mar, o capim que seca perante o olhar indiferente do Sol que grava em calor memórias, o calor da sua saudade, hoje sob mote da “mão que voa� contado dado que a glaciariedade emergente é conselheira de tão quente memória.

Olho para estes dedos que se estendem em letras sem nexo e que vou ler como palavras, prosa, e em cada momento que param o seu picotar de mais e mais linhas que apaguem o papel branco, em cada um desses momentos em que se eleva o olhar, receoso, para o que a escrita pariu, há o fantasma da mão voadora sempre presente e a sua ausência é dolorosa para quem aspira que as suas letras sejam comungadas, acariciadas na leitura alheia. O texto que vale nasce da mão que voa, o resto é ensaio de voo que é necessário cumprir para que as asas se elevem e, com naturalidade, nasça o escritor que é escravo da mão criadora, disciplinadora de ténues arranques que se sucedem e alisam a estrada onde a voadora possa estender a sua criação em serpentear narrativo, e haja escritor.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

O último Decreto

Ainda as caixas não estão cheias e nas estantes ainda sobram os restos da governação, e pedaços de leis enchem o vazio das gavetas. Ainda no palácio os sussurros se calam quando pressentem a minha presença – já um fantasma estranhamente em carne e osso –, e até a coroa, inútil, olha-me abandonada sobre uma cadeira com forro de veludo vermelho que sempre conheci no mesmo local, ela também parte das paredes que abandono, paisagem das memórias que se empacotam renunciando ao símbolo que jaz vago de orgulho que o ostente.
Ainda tudo isto acontece e ainda não se ouvem os brados da turba, ainda não apareceu a mão reivindicativa daquele que resgatará a coroa ao baço do veludo e a erguerá (que seja feliz, eis o que o meu olhar lhe dirá quando irromper no gabinete que esvazio de mim), e urge decretar o fim, o regular dos degraus que apeiam, molhar em artigos e vírgulas a secura do fim dum reinado.

Assim, olhando pensativo a coroa que foi minha e já não o é, sobre esta secretária vazia de tudo mas ainda com a caneta que a minha mão segura, decreto para fazer valer como derradeira lei da dinastia dos Mangussos-Mor que:

Artº 1º
Este artigo nada dirá, nada decretará, nada regulamentará.
Artº 2º
As pitinhas e os mangussos são livres na interpretação do artigo precedente.

Posfácio único ao último Decreto:
Em Carcavelos estava o meu castelo mais lindo, e por ele valeu todo o meu reinado.

Na Lezíria, abdicando de guardião de reserva, aos 9 de Dezembro de 2004

O cessante,

(Web)

quarta-feira, dezembro 08, 2004

"A Minha Garagem"

Informo que decidi mostrar-vos a caverna de Aladino, a minha garagem.
Abro umas secções à vossa curiosidade e indulgência quando posso, pois estão cheios de pó e dá uma trabalheira torná-los apresentáveis. Aceitam-se inscrições para conduzi-los, mas também para empurrá-los quando não pegarem.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Decreto-Lei nº 2/2004

Face à gravidade que a situação actual representa;
Face à conjuntura internacional que não está nada boa para a pesca;
Face ao insucesso que o anterior diploma representou, com completo desacato civil às determinações legais nele contidas;

Por proposta do respectivo Secretário de Estado, que subscrevi;
Por autorização legislativa concedida pela Assembleia Protectora das Pitinhas;

decreto:

1 - É instaurado o recolher obrigatório de pitinhas em toda a reserva natural de Carvavelos e respectiva Zona de Protecção, entre as 10:00 e as 9:30 do dia seguinte;
Parágrafo Único
Vigorará o 'alerta vermelho', e as bandeiras dos edifícios públicos também vergarão a haste, não vá o Diabo ou a oposição tecê-las.

2 - No período de tempo isento de tal medida cautelar, as forças de segurança públicas deverão estabelecer corredores de circulação sob rigorosas medidas de segurança entre o ninho das pitinhas e o café mais proximo, com vista a:
a - tomarem café e comprarem tabaco e jornal;
b - exercitarem as lindas pernas;
c - os basbaques babarem-se (à distância);
Parágrafo Primeiro
Para fins de execução desta disposição e como medida adicional de protecção ás pitinhas ameaçadas pela invasão de mangussos, fora de época e bastante incómoda para os altos fins desta Secretaria-Geral, as forças de segurança públicas serão reforçados com mujahedins e chefiadas por ayatholas, cujo armamento será reforçado com cimitarras, adagas, quebra-nozes e tesouras para esquartejar perús;
Parágrafo Segundo
Às pitinhas é permitido sorrir nesse vasto tempo de exposição pública; porém, devem de forma ordeira e cãndida não interromper o passeio sob nenhum pretexto, usarem vestuário discreto q.b. sendo os véus unicolores, e rejeitarem o troco se o haja, de forma a evitar contactos físicos com qualquer mangusso disfarçado, seja ele ardina ou arquiduque.

3 - Ficam instados todos os talhantes da região a parárem de imediato com a comercialização, em saldos, rebajas, ou não, de todo o material orgânico apreendido provisóriamente na execução do diploma anterior; nem os objectos foram declarados perdidos a favor do Estado (para que é que eu preciso daquilo, ãh?), como houve um caso da intoxicação alimentar por (salsichas em couve lombarda) estarem fora de prazo.
Por outro lado, é de inteira justiça social e igualitária - como sempre foi timbre persecutório deste Governo, que os mangussos caçem livremente nas áreas que já têm confiadas; castrar o acto venatório no seu habitat natural é contra a economia de mercado que vigora como sistema reprodutivo nacional, e de que este Governo é mentor e guardião.

4 - Assim, os referidos talhantes devolverão túbaros e salsichas restantes, que serão expostos na Junta de Freguesia para eventuais prejudicados as reclamarem, bastanto para o efeito prova sumária da sua ausência e necessidade funcional. Os direitos obtidos com reportagens televisivas e filmes triplo xis servirão de compensação financeira aos talhantes que aderirem a esta determinação, e o que sobrar é para uma jantarada - só de peixe.

5 - Apela-se a todo o povo que colabore nesta medida nacional de protecção às pitinhas em risco. As insidiosas manobras dos mangussos rebeldes não vencerão a vigilância popular. Encontram-se portanto legitimadas pela gravidade do momento que vivemos as barreiras de cortes de estradas à entrada da Reserva de Carcavelos, os cadafalsos e as fogueiras erguidas nas praças públicas das sedes de distrito, e o aumento dos combustíveis em 0,5 %.

6 - Por último, relembra-se a toda a população e às pitinhas em especial que o Pedro já não manda nada. Por isso, se um desconhecido lhes oferecer flores e disser que é primeiro-ministro, mandem-no bugiar para o Bugio, onde tem escola de artes de arrecuar para obter licenciatura, sem que incomode as pitinhas dos outros.

7- Entrada imediata em vigor, obviamente.

(ass. encolerizada e ilegível)



Recomendação ao chefe de gabinete: pedir orçamentos para arame-farpado, palmatórias, minas anti-ceroulas, máquinas para cortar salsichão e paio, e quebra-nozes; pedir desconto, atenta a grande quantidade; pedir urgência, muita urgência. Mandar o SIS investigar o pianista, suspeita-se de albergar mangussos evadidos.

Decreto-Lei nº 1/2004

Tendo esta Inspecção-Geral das Pitinhas feito uma visita de surpresa à circunscrição de Carcavelos, área protegida, e em face do preocupante relatório apresentado acerca da praga de mangussos que a tem assolado,
Decreta-se tendo por objectivo a preservação das pitinhas e a exterminação da praga:

1º - São estabelecidas barreiras de acesso à região demarcada; nestas, todos os mangussos serão identificados e devidamente instruídos acerca dos cuidados a ter na visita projectada, com especial incidência no velho adágio "olha mas não mexe";

2º - Se o comandante do posto de vigilância assim a entender como medida necessária, o mangusso suspeito será ali castrado, tendo o comandante poderes para solicitar apoio técnico e material a talhantes da região.
Parágrafo Único
Se a visita projectada for de até 48 horas: o material orgânico retirado será devolvido finda a visita ao seu proprietário, devidamente acondicionado em saco de plástico discreto;
Se a visita for superior a 48 horas ou o decepado não aparecer a reclamar o órgão & acessórios cautelarmente removidos: será enviado ao mesmo via postal, portes a cobrar no destino.

3º - Durante a visita, aos mangussos é vedado:
a) Fazer festas às pitinhas;
b) Arreganhar-lhes a taxa;
c) Ler-lhes poemas eróticos;
d) Dizer mal do Grande Guardião das Pitinhas.

4º - Os locais que, de alguma forma, acolitem os mangussos invasores serão severamente punidos, de forma pública e exemplar.
Parágrafo Único
Se o conivente for proprietário de um piano-bar, as sanções serão duplicadas.

5º - Este Decreto entra de imediato em vigor.

Algures na CREL, 5 de Dezembro de 2004

O Secretário de Estado,

(Dr. Charles Manson)


O Inspector-Geral das Pitinhas,

(Honorato Belchior)

Referendado às 20:28, dia citado. Publique-se.

O Presidente em exercício,

(Web)

domingo, dezembro 05, 2004

Não se bate assim com a porta!

... como fiz no post anterior.
Mas a verdade é que "não sinto" este novo blog. Há empatia, mas não para mais que conversas de café, posts de circunstância com poucas excepções.
Não é isso que quero do meu blog, o Xicuembo não é isto. Se o for (e tenha 'sonhado' no "1") então está terminado, morreu, paz para ele e felicidade a um futuro alfarrabista da net. Mas vou fazer uma nova tentativa - ainda não sei é como e onde, depois aviso quando tiver ajustado o camião da mudança.
Obrigado. Muitos de vocês sabem exactamente aquilo que quero dizer com esta palavra.

sábado, dezembro 04, 2004

(...)

O meu Template também tem andado avariado. Daí, estas avarias todas. Até breve, tenho muito para reconstruir e percebo muito pouco de html.
Eis portanto o chamado post sabático. É assim, está feito e até (muito) breve.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Chuva tropical

Com uma chuvada destas nem com chapéu e galochas. Só mesmo de barco...
Claro que haverá erros no saneamento e, até, erros na edificação que obstruiu linhas de água. Mas as chuvadas tropicais são uma recordação que mantenho bem forte, daquelas bátegas de água que caiem de súbito encharcando completamente quem começa a atravessar uma avenida seco e chega ao passeio molhado até às cuecas.
O lado agradável é o Sol, nas muitas vezes em que não se inibe de vencer as nuvens sem timidez e o forte calor que oferece cobrindo a cidade com um ar quente que induz a securas e rapidamente seca a roupa.
�frica, única, para recordar sempre.

Downstairs

Já me tinha apercebido em como ao blog da minha amiga Yurei estavam a acontecer coisas esquisitas, e agora vejo que é doença da família Blogger pois queixo-me do mesmo.

Portanto, depois de entrarem no elevador, carreguem nos botões para baixo, por favor, até chegar assistência técnica ao template ou passar-lhe a macacoa que lhe deu, em repente inesperado (eu juro que não lhe mexo há uns três dias).

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Leitura de imprensa

Comprei o jornal Público já ao final da tarde e enquanto lia e pensava no pouco, estranhamente pouco...! que li na blogosfera, fui comentando:
Pág. 2 e 3: "O banquete dos barões assassinos": Está na hora e há carne para todos os gostos, além dos muitos lugares que vão vagar na mesa grande. Tanta coisa feia que vamos ler e ouvir nos próximos tempos...
Pág. 4: Quem és tu, Sócrates? Por favor pára com isso de armar em executivo e conta-nos. O que pensas, o que pensas fazer por nós, onde tu te incluías há uma dúzia de anos em que ninguém imaginava que te dessem uma prenda de Natal destas. Conta-nos, por favor. É urgente, é preciso, pois temos de começar 'a gostar' de alguém para melhor acreditarmos nele e segui-lo. Conta-nos, anda, nós estamos com os ouvidos mais abertos que alguma vez sonhaste. Pág. 5: Não leio mais, nada mais me interessa e deve ser tudo igual. A baixa política vem aí e os egos vão brilhar que nem candeias em noite escura, e vamos todos andar em bolandas para entender o que 'eles' dizem. Portanto, cabeça fria, e só olho bem aberto às presidenciais moçambicanas e às pequenas dissidências na Casa Branca, e chega. Vem para aí trabalho que é uma coisa louca, e há que proteger o coiro no princípio da farra. Vou ver os automóveis, pois a Auto Foco saiu mais cedo esta semana.
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Citada, pág 27: Parece que eu tinha razão quanto ao Chris Bangle (e mais alguns bons milhares, valha a verdade...). Na "bêéme" já accionaram travões e, se podem herdar do seu afastamento a prazo o picante das linhas revolucionárias que marcam esta triste década de seu reinado, também podem deixar de olhar para o umbigo e darem uma olhadela interessada ao 'que se pása' no resto do mundo da chapa em quatro rodas, e compreenderem que os fins-de-semana na Lua ainda estão algo distantes.
Pág. 29: Não se apressem em render o Maranello (e estão com o 'passo trocado' em relação a concorrentes directos na gama, actuais e futuros) e vão ver o pisar nas vendas que levam. Esta versão é 'mais do mesmo' e não conquista um único cliente novo. O maluco do Bangle aí estava a jogar em casa, tais os medos que correm pelos corredores da Fiat e subsidiárias.
Pág. 30 e segs.: O horror visual, isto já é epidérmico pois daquelas bandas não vem nada que me alegre a vista. O Ghosn, assim, não leva a água ao moinho. Espera-se que não leve designers para a Renault quando for seu presidente, dado que já lá mora um problema chamado Patrick Le Clément. Anexo ao resmungo a pág. 44; quando é que estes tipos vão à falência para eu ter descanso?
Fórmula 1 (última página): O que por aí vai... falam de três equipas e deixam-me pensativo, o que se passará nas outras... I love this game!
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(voltando ao Público)
Pág. 38: Ontem estava no café quando dava na TV o Fulham-Chelsea e depois em casa continuei a dar-lhe uma mirada interessada enquanto navegava por aqui. Que diferença, que empenho, que poucas quedas simuladas e faltas escusadas, que futebol! Um jogo, com muitos ou poucos milhões mas vê-se um jogo de futebol. A diferença entre a alienação pestilenta e o prazer desportivo, um mundo de diferenças.
Pág. 33: Só leio o título: "cidadão comum podia cometer os crimes de Abu Ghraib". Eu não, desculpem. Fiquei a saber que não sou um cidadão comum e, pelo exemplo encontrado, fiquei triste. É a minha bitola que está correcta, não a do tal 'cidadão comum'.
Pág. 31: Os pilotos, a Venezuela. O choque entre o sentimento nacionalista e o acreditar que a justiça está bem disseminada e é administrada por tribunais, que têm de ser insensíveis às condições em que os suspeitos se encontram detidos - a liberdade ou sua privação é decidida em relação à matéria dos autos e não da qualidade das instalações estatais existentes pois isso é tarefa do executivo e é a acção diplomática que terá de ser exigente nesse campo. Para já aguardarei. O julgamento está marcado para começar daqui a uma semana.
Nota final: Viva a democracia participada. Tudo correu e vai correr bem, sem armas ou fardas. Todas as vozes foram ouvidas e respeitadas, a popular fez soar mais alto a sua verdade prática ao formalismo institucional, estritamente legalista. É a minha mea culpa, mas também é esta satisfação em dormir tranquilo com metros de cama livres para me virar para o lado que quiser, com a certeza de que sou um homem livre cuja oração diária é acreditar que vale a pena ser justo.

... and I'm happy again! I'm so happy again...

Nota à Imprensa da Presidência da República
Palácio de Belém, 30 de Novembro de 2004
1. O Presidente da República encontrou-se hoje com o Senhor Primeiro Ministro, para continuação da apreciação dos desenvolvimentos políticos recentes.
2. O Presidente da República, ponderada a situação política actual, comunicou ao Senhor Primeiro Ministro a sua decisão de ouvir os partidos políticos com representação parlamentar e o Conselho de Estado, nos termos do art. 133º, alínea e) da Constituição da República.