quinta-feira, dezembro 09, 2004

O último Decreto

Ainda as caixas não estão cheias e nas estantes ainda sobram os restos da governação, e pedaços de leis enchem o vazio das gavetas. Ainda no palácio os sussurros se calam quando pressentem a minha presença – já um fantasma estranhamente em carne e osso –, e até a coroa, inútil, olha-me abandonada sobre uma cadeira com forro de veludo vermelho que sempre conheci no mesmo local, ela também parte das paredes que abandono, paisagem das memórias que se empacotam renunciando ao símbolo que jaz vago de orgulho que o ostente.
Ainda tudo isto acontece e ainda não se ouvem os brados da turba, ainda não apareceu a mão reivindicativa daquele que resgatará a coroa ao baço do veludo e a erguerá (que seja feliz, eis o que o meu olhar lhe dirá quando irromper no gabinete que esvazio de mim), e urge decretar o fim, o regular dos degraus que apeiam, molhar em artigos e vírgulas a secura do fim dum reinado.

Assim, olhando pensativo a coroa que foi minha e já não o é, sobre esta secretária vazia de tudo mas ainda com a caneta que a minha mão segura, decreto para fazer valer como derradeira lei da dinastia dos Mangussos-Mor que:

Artº 1º
Este artigo nada dirá, nada decretará, nada regulamentará.
Artº 2º
As pitinhas e os mangussos são livres na interpretação do artigo precedente.

Posfácio único ao último Decreto:
Em Carcavelos estava o meu castelo mais lindo, e por ele valeu todo o meu reinado.

Na Lezíria, abdicando de guardião de reserva, aos 9 de Dezembro de 2004

O cessante,

(Web)

2 Comments:

Blogger Madalena said...

Xicuembo, tenho passado por aqui e tenho lido tudo com muito gosto e até espreitei a garagem.
beijinhos e boas prosas

quinta-feira, dezembro 09, 2004 11:35:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Charlie, dear, para quando o prometido passeio da Mafalala à Costa do Sol, pleno de curvas COD? _ o rico escolha o carro, que eu pago a recauchetagem dos pneus. Love, Fatiuska.

sexta-feira, dezembro 10, 2004 12:25:00 da manhã  

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