segunda-feira, fevereiro 28, 2005

O 'spam'

Ultimamente sou bombardeado em força com spam, variado e requintado na ementa, para além da fluidez que leva a que, todos os dias, seja várias vezes convidado a alargar o pénis, jogar na roleta ou comprar relógios, gastar dinheiro como se de um anormal se tratasse.
Já que se dão ao trabalho de me bater à porta e deixar mensagem, podiam ser criativos de melhor inspiração e propor-me uns jaquinzinhos com arroz de tomate, net away, com o bónus duma fotografia por e-mail das mamas da Sofia Loren (as dos anos 70’s, please…), a juntar à fumegante dos peixinhos oriziculturados em kbytes de fazer crescer água na boca. Pelo conjunto, a cores e em versão fanável para arquivo pessoal, eu pagava um euro; mas recuso-me a meter facas ao badalo para, - dizem…, ganhar visualmente a robustez dum touro e à taxa de sessenta euros o centímetro. Sendo certo que ficava com original suporte para um 'Rolex Oyster Perpetual', em ouro e só por duzentos e quarenta e nove euros, também há que considerar que deixava de ser viável ver as horas quando se visita a família ou se está numa fila de atendimento.
É que, tudo considerado, submeter o modesto orgulho que Deus me deu a tratos de polé e mudança de identidade, como se de testemunha incómoda fosse - e não é o caso, gosto de pensar…, é manobra por demais arriscada mesmo que com prémio de jóia em pechisbeque e portes pagos. Nem pelas ditas da Sofia, nem por um prato dos cujos.
Fiel e leal amigo de dezenas de anos não se convence a fazer uma plástica com o argumento de que tem o nariz torto ou as orelhas grandes, e por maiores razões esta assiste-me na minha ira com este 'spam' que me alicia a tornar-me candidato a estatísticas taurinas, com laçarote de premiado ao pescoço e relógio de parolo numa pata.

Chuva

Vai chover em breve.
Há um osso na minha perna direita que nunca me enganou, e desde hoje de manhã que 'apita' para recordar-me que devo preparar o kispo e o guarda-chuva. Não será caso para galochas pois pouco coxeio, mas a água do céu não tardará...

Máxima

"Camarada, não temos outro tempo senão este, pelo que até lá cada coisa em seu lugar e o lugar com a sua coisa"
Máxima com que termina uma 'carta à redacção' no nº 220, 15 de Dezembro de 1974, da revista moçambicana Tempo.

domingo, fevereiro 27, 2005

O Simca Aronde azul celeste

Teria os meus doze, treze anos, quando pela primeira vez e por alguns gloriosos metros ‘conduzi’ sozinho um automóvel. Poucos metros e com embaraçoso embate numa parede inconvenientemente próxima, mas sozinho.
Claro que se tratava do carro do meu pai, um Simca Aronde azul celeste, cor dum céu que, então, iluminava os meus dias da Avenida de Angola, na falada Mafalala fronteira ao alcatrão da avenida e onde algumas ilhas de betão nasceram nos anos sessenta. No meu caso morava nos prédios fronteiros à cervejaria e lupanar Vasco da Gama e duma paragem de machimbombos que vinham da cidade até ao aeroporto e serviam, deficientemente, um bairro densamente povoado e com metade da sua população empregada na cidade de cimento ou na sua periferia industrial, cais, tudo destinos afastados e carentes dum serviço público de autocarros que era, no seu máximo, igual ao que servia a praia da Polana, zona do Miramar.
O prédio onde morava ficaria a meia distância entre o Largo Albasini e o Bairro Indígena, este assim crismado oficialmente talvez porque nunca se previu que um branco, um metropolitano, lá fosse residir – e eu não me recordo de nenhum. É um conjunto de moradias modestas, todas de projecto igual e todas carentes de acabamentos, dispostas em semicírculo e, inegavelmente, um progresso para os sortudos que as habitavam relativamente às palhotas que nos rodeavam, mas o semi-círculo era tão pequeno que não conseguia ocultar o mar dessas mesmas palhotas com paredes em caniço e forro em chapa ondulada, algumas com um quintalzito vedado a caniço, formando os seus contornos territoriais um labirinto de becos que não era fácil memorizar mesmo para quem morava nas cercanias.
Foi para o segundo andar dum prédio dessa Av. de Angola que os meus pais foram viver quando chegamos a Lourenço Marques, e quem vem do Alto-Maé e chegando à tal zona do Vasco da Gama, será no seu lado oposto o primeiro dum conjunto de quatro germinados, todos com um pequeno pátio cimentado em frente para estacionamento dos moradores.
No vão da escada para os andares superiores existe um lugar de garagem, portanto coberto mas não isolado do tal pátio, onde o meu pai guardava o carro e, ao fim-de-semana, comecei a oferecer-me para lavá-lo. Mas a garagem era um pouco apertada para manobras de baldes e mangueirada e aventurei-me. Aos solavancos com a embraiagem, certamente a deixar o motor ir-se abaixo, trouxe o carro para o amplo pátio exterior. Como não correu assim muito mal e, muito logicamente, para a frente ainda será mais fácil, com uma aceleração mais forte pensando que assim o motor não se finará tão facilmente, solto a embraiagem num repente pois era a primeira vez que pisava os pedais com o motor a trabalhar e nunca entendera o que era um ‘ponto de embraiagem’.
O azar é que, lá ao fundo e por baixo do vão do primeiro lance de escadas, estava a parede onde me estampei após avançar uns gloriosos quatro ou cinco metros como se estivesse numa largada de dragster’s. Foi tudo tão rápido que o cérebro nem se lembrou de dar ordem aos pés para começarem a tratar de trocar de pedais, e por certo emocionante em todos os seus centímetros… As lavagens foram interrompidas mas comecei a ter as minhas primeiras lições privadas de condução automóvel com o meu pai. De vez em quando, em estradas isoladas e sem trânsito e sem polícia, lá me eram concedidos uns quilómetros em que a banda sonora só dava regras e recomendações. Eu dizia que sim a tudo e nem ouvia dois terços, pois o nervoso era tanto que quase ameaçava o imenso prazer que sentia em ter as mãos no volante, do domínio do carro.
Foi nesse Simca Arondeque o meu pai teve um acidente na Avenida do Trabalho e onde saiu magoado nas costelas – os cintos de segurança nem existiam… Nada de especialmente grave mas recordo-me de, no final da tarde e vindo das aulas saber do acidente, do receio que tive quando entrei no quarto para o ver, deitado e com o peito ligado. Ou logo no dia seguinte ou pouco depois o meu pai foi à oficina onde o carro estava para recompor a sua maltratada frente e fui com ele, ver o carro. Estava bastante pior tratado do que eu o deixara na batida que meteu o para choques para dentro e partiu um farol. A chapa torcida era muita, o que levou a que fosse todo pintado senão ficaria em dois tons de cor.
Esse carro durou anos nas mãos do meu pai. Antes, não só os carros eram mais estimados que hoje e não eram olhados da mesma forma consumista em que se o Fiat Uno deixar de ser produzido os seus proprietários começam todos a pensar em comprar um Punto. Além de que o dinheiro era menos e a compra dum carro, mesmo que em segunda mão, estava bem longe das facilidades de hoje em que o bancos divertem-se com esse negócio, nós pagamos e queremos continuar a pagar, e para os que não podem com tanto pagar há os carros a cem contos que já se viram por aí à beira das estradas e que não acabaram certamente. Antes um carro era um bem muito mais inacessível do que hoje, por isso uma riqueza maior para o seu possuidor que o estimava na justa proporção.
O Simca tinha 'mudanças ao volante', o que então era habitual. Na minha família havia e houve mais ou menos na mesma época 'bocas-de-sapo', Mercedes 180 como os dos velhos táxis e também dos 190 com uma cauda que pareciam asas, e todos com a alavanca na coluna de direcção. Era ronceiro, já desactualizado com o high tech que então circulava nas ruas de LM, com o pelotão japonês a dar os primeiros passos e boas máquinas que iam da Europa. O Aronde tinha várias versões das quais a mais cobiçada era a Monthlery, com motor vitaminado, um volante desportivo e faixas brancas nos pneus, uma decoração agressiva que contrastava com o ar de carro de pai-de-família que tinham o Étoile e o Elisée. O do meu pai era o Étoile, um pacato ao lado do qual a minha Escort não se envergonharia. Em verdade vos digo que desconfio que ela não é capaz dum arranque tão fulgurante como o que o Simca teve, no tal prédio da avenida de Angola… e espero bem que não o seja, pois a Carla já faz treze este ano…
Por falar em Carla, esta noite foi a estreia da peça ‘Espanta pardais’ pelo grupo de teatro Narizes Perfeitos, formado no seio da Banda Marcial de Almeirim e com trabalho de direcção de actores e de encenação da Fernanda Narciso. Contrariando o nervosinho miúdo anterior correu optimamente e a Carla esteve bem (é a ‘Maria Primavera’), e até um corte de energia caiu no bom goto pois repetiram a cena e quem ficou a ganhar foram os espectadores. Há malta nova com sede de actividades culturais, alguns com uma entrega que é filha do gosto por neles participarem, em contraponto às rotinas padronizadas que lhes asfixiam a juventude. A sala estava cheia e não eram todos pais e irmãos dos actores, foi um sucesso. No final do ano passado estrearam a outra peça que têm em cena, o ‘Olha, Olha’ e vão começar a preparar um ‘Peter Pan’ para a inauguração do reabilitado cine-teatro local, prevista para Outubro.
Um viva ao teatro amador, berço cultural que sobrevive em terras interiores áridas de acontecimentos que nunca saiem das grandes cidades, alegadamente ‘por falta de mercado-alvo’.

sábado, fevereiro 26, 2005

A memória - LM, princípios dos anos 70's

... a memória dum tempo em que Malangatana, para compor meses que eram grandes demais para os ganhos dum artista, ganhava uns cobres extra como apanha-bolas no campo de ténis do central ex-Jardim Vasco da Gama e hoje com o nome feliz de Jardim Tundurú. Ainda por cima um artista negro, num ambiente colonial que, embora não cego e surdo à cultura era muito daltónico quando olhava para os seus intérpretes.
Eu, que lá vivi, rio-me com amargura do que esta referência numa reportagem no 'Expresso' (que abaixo transcrevo na parte em causa) me fez recordar; uma expressão que se ouviu 'n' vezes nas cervejarias e restaurantes de LM após o 25 de Abril de 1974 e, muito principalmente, após a formação do governo de transição para a independência da colónia de Moçambique, quando se começaram a ver negros sentados na zona das melhores mesas em vez do canto onde lhes eram 'reservadas' uma ou duas ou um canto do balcão, nos restaurantes onde antes estavam sempre em pé e de bandeja na mão: "também têm direito, temos de nos habituar". Este 'temos de nos habituar' fala tanto por si, como quem se conforma por o médico dizer-lhe que tem uma doença incurável e a sua qualidade de vida será afectada, ou quando morre alguém na família e nos consolamos com tiradas filosóficas sobre a vida que continua...
E também me recordo do contrário, após a independência. Numa cervejaria que eu e o meu grupo frequentávamos há 'anos' subitamente passamos a ver a nossa mesa como a última a ser atendida e com cara de má vontade. Nela e por isso, tive uma das poucas manifestações exteriores de desagrado com o novo racismo que eclodia, por alturas da decisão íntima de procurar ares mais livres antes de me tornar culpado de existir e ter a cor de pele errada no momento que queria viver como o certo, o início do Futuro. Os pedidos e sinais para sermos atendidos eram ignorados e até alvo de chacota à sucapa noutras mesas, que se iam enchendo e esvaziando, e nós ignorados mesmo após um ter ido fazer o pedido ao balcão. Uma raiva que crescia em mim, uma sensação de ser(-mos) vítimas duma injustiça e dum comportamento que todos lutávamos por que nunca mais existisse, fez-me dar o tal murro na mesa, autêntico e de punho fechado, instintivo e portanto com estrépido acrescido que soou na sala como grito codificado de "Chega! Assim não!"
A outra vez que recordo foi numa tarde de fim-de-semana, no largo passeio em frente ao Hotel Moçambicano e onde deixávamos os carros e as motas estacionadas. No outro lado da avenida, no passeio fronteiro ao restaurante Chouriço Assado, um velho demente e vadio, um cromo daqueles que todas as cidades têm (e antes também tinham, quando a hipocrisia social não permitia visibilidade aos sem-abrigo) refila com um grupo de miúdos que se metem com ele, uma cena normal enquanto houver miúdos de rua e velhotes que embirrem com eles. Este, de que já não recordo o nome ou alcunha por que era conhecido em toda a cidade, grita com eles e ameaça-os, até ensaia um ou outro gesto mais ameaçador, alça a perna a preparar pontapés e cerra punhos no meio de gritos e insultos, no seu linguarajar de solitário irascível e louco.
Toda a cidade viu este filme do velho e dos miúdos vezes sem conta, o largo passeio onde o fresco decorre é piso habitual do velho e os miúdos também não são de todo estranhos à zona. Nós, do outro lado, estamos em grupo à conversa, encostados aos carros e ouvindo música de cassetes. A cena é tão corriqueira que mal se lhe presta atenção, por certo uns comentários humorados sobre os miúdos e o velho, um a recordar outra história qualquer com o velho e nada mais. A nossa cavaqueira continuou e, visualmente, iam-se acompanhando as peripécias.
É aí que surge a chamada de atenção de um de nós, sei lá quem, e todos nos viramos para olhar o que se passava com o velho e os miúdos. Estes, principalmente uns já bem matulões, rapazolas já com corpo duns treze, catorze anos, exercitavam a sua corrida partindo de locais opostos em redor do velho e, quando por ele passavam, lado das costas, claro, aí exercitavam o murro e o pontapé de fugida, vulgo ataque cobarde. E como eram vários e o velho era só um e velho, os seus gritos já deixavam o tom monocórdio habitual, ladainha de louco refilão, e o medo assomava em gritos que se misturavam com os deles, os miúdos: "branco de merda! maluco! vai-te embora! andaste a roubar mas agora vais pagar". Foi o outro momento, outro 'click' que tive: atravessei a rua a correr e corri eu com os miúdos com ameaças de os socos e pontapés se voltarem contra eles, ora eu aos gritos : "vocês são loucos? é um velho, é só um velho louco que não tem culpa de nada". Certamente porque eu tinha as costas quentes pelos amigos que estavam encostados aos carros, inconscientemente pois não raciocinara e a minha intervenção foi instintiva, o grupo dos miúdos fugiu.
Mas deixo estas más memórias e passo a transcrever a notícia que as avivou. No suplemento 'Actual' do tal semanário, a fls. 44 e 45 está uma reportagem com o título "As escritas que correm", que versa sobre o encontro de escritores na Póvoa do Varzim. Dela extraio o motor da amarga viagem ao passado:
"... Na véspera fora inaugurada a bela exposição de pintura e desenho de Malangatana , "Escritas de Cor", apresentada por Urbano Tavares Rodrigues. O moçambicano e o português são velhos conhecidos e amigos; o primeiro recorda que há trinta e poucos anos Urbano o levou a um restaurante de Lourenço Marques onde uma refeição partilhada por um negro e um branco podia ser um escândalo. "Foi no Hotel Tivoli", diz-me Urbano. "A certa altura, sem o Malangatana ouvir, tive de dizer ao empregado que tivesse maneiras."
Na cervejaria e no passeio defronte ao Chouriço Assado a minha paciência com a falta de maneiras estava a estoirar.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

A divulgar

Por aqui e por aqui também se faz o caminho da liberdade. No caso, a liberdade de ser 'blogger', e isso diz-nos necessáriamente muito. A divulgar, eu segui a pista daqui.

O job

Antes, ele nunca teve um daqueles empregos em que se fazem contas para pagar ao fim do mês a prestação do carro, e em que se aturam chefes ou pena-se por dias sem sobressaltos no mercado liberal da raia.
Sempre esteve na política e esta nunca o tratou mal. Foi membro de governo, presidente de câmara e deputado europeu, cargos que sempre lhe deram para viver à larga e, pelo menos na vez de Bruxelas, consta que serviu para arrumar a casa, o que incluiu um sótão que poderia tornar-se inquietante.
Na vaga, e porque ia bem com o seu carácter mundano e fotogénico - e como ele gosta de si mesmo... - até foi presidente dum clube de futebol dos mais reputados, cargo não remunerado mas cujas despesas pagas incluíam os charutos - a vitória a tal obriga, e o natural direito desportivo a que a sua cara aparecesse todos os dias na televisão.
Agora tocou o céu e os dedos queimaram-se, ficando um cheiro desagradável a cadáver chamuscado, e a fotogenia que sempre lhe permitiu ganhar a vida está ameaçada. E os dedos queimados fazem e fazem-no pensar na ausência de calos que têem. Tem quarenta e tal anos e ele mesmo já disse que não tem idade para mudar de profissão: político, e dos sem calos.
É que o tombo foi tão grande (passou de mito a chacota nacional) que ele já deitou contas à vida. Na verdade esteve dois dias a pensar não no que tinha acontecido mas sim no que iria fazer, que mais mil amarguras estarão a ameaçar o seu futuro. Não que me preocupe particularmente se vai para a estiva ou para advogado, se naquela torce um pé ou se nesta envergonhará os princípios da classe. O problema é outro.
Ele, ao longo de anos e anos em que conheceu as conversas de bar onde se confidencia o exercício do poder, os gabinetes oficiais e os recantos dos corredores grossamente alcatifados, nestes anos todos em que praticou a sua política como tanto gosta - e nela sempre foi feliz até ao recente infortúnio, conheceu todos e cada dos que rondam o poder seja na ambição de o tomarem em mãos ou na dele recolherem excepções, oportunidades, em suma parasitismo económico para com o Estado e os seus milhentos ramais ou, se se entender que é agreste a definição, aceite-se a mais modesta mas insuficiente das afamadas influências. E as vozes por que se fazem ouvir também são todas do seu conhecimento. Acredito que a sua agenda telefónica, se um dia se vir metido em alhadas com o poder judicial, faria o país entrar em transe e a salivar, e a fila de notáveis a serem ouvidos até às tantas justificaria até uma ou duas roulotes das bifanas estacionadas à porta ao DIAP.
Não é que ele seja desonesto ou menos ético, não é por ele... - gostava ele de pensar que outros de si assim pensariam. Mas tornara-se de repente num assalariado muito interessante para gente endinheirada e com critérios escrupulosos discutíveis, e sempre com empresas com uma vaga aberta na sua administração, étecetera que já sabemos...
Ele está à rasca. E falou ao fim de dois dias e deu a entender que quer ver a sua situação resolvida até Abril, ao congresso da sucessão. Que te disseram neste dois dias, Pedro, para onde vais tu?
O Parlamento não lhe agrada e muito menos agradará ao novo chefe partidário vê-lo nele, seja ele quem vier a ser. Sabe que no seu clube não lhe querem ver a cara nem é considerado saudável serem vistos ao pé dele durante muito e muito tempo, provavelmente por causa do cheiro a cadáver chamuscado que, já se referiu e é pacífico, é um cheiro desagradável. Voltar à câmara é voltar ao buraco, mais as armadilhas que irá encontrar, umas em paga dos buracos que legou ao substituto, outras novas de quem, inesperada e iradamente, se sente despromovido ou desempregado. E está lá o buraco, o tal buraco que foi o seu pesadelo muito pessoal e que acreditara já se ter dele libertado.
Para onde vais Pedro? Para um escritório de tráficos de influências disfarçado em carteiras profissionais forenses, ou para assessor dum nababo que tem dinheiro a mais para a agenda telefónica que tem?
Para onde te vão mandar, o que arranjaram para te sustentar e calar, como vais governar a vidinha, assim, sem calos nos dedos chamuscados quando tocaram o céu?
Não sou curioso em excesso sobre a vida dos outros mas confesso que estou com o olho em ti. E atento ao que gravitar à volta do teu cheiro, de político chamuscado, pois preocupo-me com a saída que te encontraram nestes dois dias ou que prometeram arranjar-te até Abril, descontado o período de nojo com data para iniciar funções lá Setembro, Outubro...
Tu já avisaste, e todos nós sabemos que saberás dizer muito mais: não é com essa idade que vais mudar de vida...
Para onde vais, Pedro?

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Momentos tristes

Um abraço solidário à Madalena. É a travessia do viver, alguns doces ganhos mas grandes e dolorosas perdas.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Escrita direita em template torto

Este blogue está doente e o mal é mais fundo do que o seu irascível template denuncia. Aliás, os seus erros acabam por ser justos ao remeter os posts para as profundezas do écrã onde nada se lê, deixando ao paciente leitor o visível vazio denunciador.
É que, entre puxar o nada para cima ou mantê-lo amoitado no seu buraco natural, nessa escolha o template revela bom senso ao poupar o leitor de boa fé ao desperdício de tempo que é o ilegível. É melhor a montra vazia que atulhada de trastes que ninguém cobiça, muito menos o mirone de gosto afinado por padrões exigentes.
Este blogue está doente porque o seu autor, eu, narcisista militante e instável hominídeo, secou por soberba uma fonte que não jorrava tão cristalina como sonhou ou em caudal tão profícuo como desejou. Por estúpido compromisso editorial (que ninguém lhe reclamou) com uma miragem de leitores virtuais que contadores lisonjeiros criam - outra desculpa para delírios umbigistas..., dia-a-dia verteu palavras que nos últimos tempos/posts se revelavam como ocas, atabalhoadas, desvirguladas e incapazes de merecer aprovação em vistoria de rigor em centro técnico para inspecção periódica de escritas.
Assim, com chumbo tão certo como justo e claro que ele é para todos os que, pacientemente, acompanharam esta saga de auto-promoção e destruição, comunico que o blogue "Xicuembo 2" passa a peridiocidade irregular, espécie de praia onde na areia infértil os passos errantes, em pisadas felizes, conduzem a conchas bonitas, a coleccionar. Mas mais seixos não. O meu eu de vidro está por demais vandalizado com tanta pedra que mandei a céus que julguei próximos, sendo o seu retorno doloroso. Mea culpa, obviamente.
Há quem mate a criatura, mas - e com o devido respeito por opiniões alheias, um pai nunca desiste dum filho mesmo quando as suas visitas e o agrado com as mesmas passam a episódicas.
Mais duas palavras: anunciei - e mantenho por nada conhecer em contrário, que o meu livro "Xicuembo" terá paginação e encadernação visível lá para Maio. Eu não sou um escritor, um autor de livros, provavelmente nem de blogues de qualidade mereçerei um título tão digno. Em 'Maio' serei só mais um egocentrista que conseguiu enganar o sistema numa masturbação escrita, prima, neta e filha-da-outra de sonhos megalómanos. O meu livro será mais um que cairá em cantos empoeirados de estantes, em saldos e a poucos euros quando o espaço faltar aos livreiros, bandeira de vã glória que alçarei quando aos braços carecerem causas que os fortaleçam. Nada mais que isso, folhas escritas por um sonhador que comete o abuso de acumular as mesmas, editadas.
Finalmente a última das duas últimas palavras desta confissão para os links, a linkagem. Num ano o blogue 'Xicuembo' recebeu privilégios em linkagens que o autor nunca pensou possíveis, e até terão havido alturas em que as mereceu. O que não é visívelmente o que se passa de há meses ao post presente. Se é certo que cada um é senhor do seu blogue e linka quem lhe apetece, aqui exaro um pedido aos, certamente alguns, que ainda não se desfizeram dum apêndice ora injustificado. Seja por cumplicidades ou por amizade, pois certamente por selecção de qualidade não o é. Sem mágoas e sem remorso ou sentimento semelhante, façam-no, removam o link do balão de ar, apêndice supérfluo quando a festa termina.
Eu, Carlos Gil, autor do blogue "Xicuembo 2", neste momento não me linkaria a mim próprio e por manifesta falta de qualidade dos posts. Se os critérios estéticos são tantos como são os opinadores, se a soberania sobre o seu próprio blogue é indiscutível, em igual verdade também aliço que o autor renega a sua obra, escrita bastarda e abusadora da pobre tinta que nela gastou.

Alexandre O'Neill

Não vem com nada mas completa-se o adágio com aquela alguma coisa que terá a ver com tudo.
Trata-se dum poema de Alexandre O'Neill publicado originalmente em Julho de 1976 no jornal "A Luta" e nunca elencado pelo poeta nos seus livros. Descobri-o esta noite numa revista de poesia ("Relâmpago" nº 13, de Outubro de 2003) que ontem comprei na livraria da cave dos cinemas 'King', aonde mão amiga me conduziu.
...............................................................................
Esquerdireita
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À esquerda da minoria da direita a maioria
do centro espia a minoria
da maioria de esquerda
pronta a somar-se a ela
para a minimizar
numa centrista maioria
mas a esquerda esquerda não deixa.
Está à espreita
de uma direita, a extrema,
que objectivamente é alida
da extrema-esquerda.
...................
Entretanto
extra-parlamentar (quase)
o Poder Popular
vai-se reactivar, se...
...................
Das cúpulas (pfff!) nem vale a pena
falar, que hão-de
pular!
...................
Quanto à maioria da esquerda
ficará - se ficar - para outro poema.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

"O amor é bom"

Um dos trabalhos que a Carla trouxe para casa nestas mini-férias foi fazer um poema. O tema dado é o amor, e se os seus doze anos ainda a mantêm longe dos mangussitos (penso eu... penso eu...) a verdade é que a pita saiu-se com esta:
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Amor... amor...
é sentimento de loucos
porque aqueles que quando amam estão sãos
são poucos.
............................
Amor...
É o que nos faz rasgar, chorar, gritar, morder...
... mas amor é também o que nos faz
rir, respirar, viver.
............................
Amor...
é doença sem começo nem fim
- que nasce connosco,
é partilhar a nossa voz, alma e corpo.
............................
Amor...
é infinito, é tempo, é o sabor da fruta...
Amor é partilhar um guarda-chuva,
um chupa-chupa, um beijo...
............................
Amor é quando a dor que sentimos
deixa de caber no peito
e transborda em olhos ansiosos
que cantam as estrelas que brilham quando o vemos.
............................
O amor é bom.
............................
Será que... há mangusso na costa e está apaixonada...?

domingo, fevereiro 20, 2005

Agora balde-se, dr. Sócrates, agora balde-se...!

Naquele segundo de silêncio quando o general se calou e antes das palmas irromperem, no último comício da campanha para a reeleição, em Santarém, ouve-se a voz fina do Cunha, velho anarquista cujas histórias merecem um blog exclusivo:
"- agora balde-se senhor presidente... agora balde-se..."
É também só isto que tenho a dizer, oh novo 'primero'!

sábado, fevereiro 19, 2005

Crónicas do tempo

Sento-me a ler a revista, a capa em cores garridas tão do gosto da época. Nela um tipo com ar de metropolitano, matreco, muito clarinho e com umas entradas que o cabelo penteado para trás ainda mais envelhecem; canta fados e chama-se Carlos do Carmo.
Logo nas primeiras folhas a notícia em como o cinto de segurança vai ser em breve obrigatório com multa a quinhentos escudos, passo as páginas e vou olhando para os anúncios à procura de alguma novidade, uma entrevista ao brasileiro treinador de futebol que dizem ter mau feitio, o Iulstrich, que deixo para ler mais tarde.
Nas páginas de noticiário internacional uma pausa mais alargada, pois há que ler pelo menos parte da notícia para se ter uma ideia mínima do mundo e não fazer figura de urso no café. Muito Vietname, em rodapé e com foto Neruda.
Depois o sumo da edição, ontem como hoje. O salivar é o mesmo e tem de ser abastecido. Uma história rocambolesca com o fisco, este a executar um morto em conjunto com três imperiosas citações para a prática de actos processuais e com prazos fixado, e ele mortinho da Silva porque o deixassem em paz no seu eterno descanso, ámen. Para alegrar e com chamada em subtítulo, o filho pagou a dívida antes que alguém se lembrasse de penhorar o caixão, mas, mesmo depois disso, ainda houve duas notificações pessoais ao falecido. Ora se estes que vão entrar agora para ministros lêem isto, então é que vai ser bonito… Os mortos que paguem a crise!
A páginas trinta e quatro o tal Carlos do Carmo lá confessa na primeira pessoa que: “- em todos os países em evolução, como é o caso do nosso, há cantores contestatários. Eu não sou nem estou nessa fila de cantores, mas gosto de cantar coisas que interessem as pessoas. O meu tema privilegiado, o meu tema base, é o amor nas suas mais variadas facetas�. Duas folhas depois vem esta pérola: “O homem que não gosta de festivais, o cantor que não é contestatário mas gosta de cantar o amor, o fadista de luxo da plateia de Lourenço Marques, o filho da fadista Lucília do Carmo, que nunca tinha actuado em Moçambique, mas que vende todos os seus discos em Moçambique, o artista que se considera bem pago e que não sabe se ganha mais ou menos do que os outros “- nunca lhes perguntei� – entende a política como Columbano: uma porca com muitas tetas e muitos leitõezinhos. E tem uma reprodução da célebre gravura em casa�. Assina Ribeiro Pacheco, e a crónica tem o patrocínio gráfico à última folha da “Casa Bayly�.
Logo após uma reportagem sobre um sacana de um bife, o Sr. Smith, feito com o não menos sacana do administrador, que quer vedar o acesso a uma praia que em fotos mostra ser linda, para ser só utilizada por eles, bifes. Papeladas esgrimidas a mais, carimbos a mais, esquemas a mais, olhos abertos para além do umbigo a menos. Trata-se da Ponta Mamoli, junto à Ponta do Ouro, e não a conheci.
Eis que surge a nata da revista, a reportagem sobre o vizinho grande prémio de fórmula Um, Kyalami, �frica do Sul. Ganhou um americano com nome latino e ar de cantor de bôite, Mário Andretti, num Ferrari. Numa das fotos de interior o Emerson Fittipaldi, com aquelas patilhas que o fazem confundir-se com um campino, é melhor identificado como ‘o brasileiro’. Há três anos atrás trabalhava como mecânico durante a semana para custear o seu fim-de-semana, sempre vivido da forma mais rápida que lhe era possível. Olhar para os nomes que aparecem na classificação geral, as marcas e os modelos, é uma pequena viagem à memória vrum-vrum e isso é agradável.
A página permanece aberta com as fotos de Cassius Clay (depois, em letras pequenas, lá vem a explicação de ter mudado oficialmente o seu nome para Muhamed Ali) a ser derrubado por Joe Frazier, o momento em que o seu corpo parece começar a elevar-se rumo ao espaço, o corpo do agressor com os músculos contraídos pela força empregue. Noutra vê-se já a cair no tapete, mas lê-se que a desforra já está mais ou menos combinada, uma sessão de porrada que promete ser monumental a troco de uma fortuna a cada um deles.
Um anúncio da “Albatroz – Viagens e Turismo� prende-me atenções e faz saltitarem números. Por mil e novecentos escudos (quatro multas por falta de cinto…), duas semanas numa residencial de Lisboa, Porto ou Funchal, ainda com direito a uma excursão. Um dos problemas deste país sempre foi o valor exagerado das multas, porque no resto sempre existiu uma qualidade de vida consumista apreciável, haverá comentário mais natural?
Uma das páginas de que sou fiel adepto é a onde vêem as notícias de cinema, com o ‘Guia do espectador’, o nome do filme e a sala onde passa, uma classificação de 0 a 9 dada pela redacção da revista. Não só me guio por ele para lançar olho interessado ao que pensam de filmes que ainda não fui ver, como também sempre gostei de comparar a minha opinião com a dos reputados críticos, sejam-no por profissão ou dom.
Nessa semana foram todos, sem excepção, ver ao S. Gabriel “A volta ao mundo em 80 dias�, com pontuação cerrada entre margens 4 e 6. No extremo, reparo que, no Gil Vicente, corre um “Esse belíssimo Novembro� a que nenhum foi assistir, e eu não me lembro bem do outro e nada deste. Quanto ao “A volta…� tenho um bichinho a dizer-me que terá sido com o Rex Harrison e o David Niven, mas como andava convencido de que a Manhiça era depois do Xai-Xai e para os lados de Inhambane já é de esperar tudo deste banco de dados a precisarem de upgrade. Ainda no S.Gabriel o “No calor da noite� recebe elevada frequência crítica e pontuação de média mais alta, tal como no Manuel Rodrigues “A mulher infiel�, tema que atraiu também elevada percentagem de classificações.
Do rol ainda constam uma comédia do Jerry Lewys no Scala, um filme chamado “Sabata�, uma cowboyada com todo o aspecto de ser com pinta que está no Gil Vicente (tem um 3 e dois 2, dá para ir ver…), e no Império corre outra com um título que fala: “A morte vem a cavalo�. Quem lá foi dar-lhe um 4 foi o Miguéis Lopes Jr,
No Cine-Clube passa um Losey, Joseph,: “A fera adormecida�. Quatro setes e um seis, as mais altas da semana. Do Miguéis Lopes Jr., do Mota Lopes, Ricardo Rangel e Lourenço de Carvalho. A terminar a ronda, vejo que no cinema Infante passa um filme português, “O destino marca a hora�, e é de passar ao largo pois é filme para pais e não para filhos.
Bem, logo na página seguinte e a encimá-la, foto e pequena notícia com título de “A polícia no meio�, com imagem a fazer jus. Nela, os fardados e de escudo enfrentando sem sucesso visível manifestantes. Nas letras, conta-se que a extrema-direita é que começou, mas a acção policial não agradou foi à outra, a do extremo esquerdo, assim reza a notícia. Em Paris e nas vizinhanças do palácio dos desportos, a malta de lá precavida com capacetes bastões e máscaras anti-gás, o impensável na realidade em que se lê a notícia na revista, lá consagrada como real mas tão distante dessa realidade onde ela, condensada e nas páginas interiores, é lida. São ecos mesmo assim bem-vindos, há mais mundo para além desta lassidão que coze lentamente sob o sol africano.
Foto da mulher do governador com as misses, e um anúncio da “Cave� a anunciar os “The Marilin Dancer’s�, com as vozes de Américo Carlos e Farri, “… e ainda a cantadeira Isabel Cruz e a expressão máxima do music-hall brasileiro Ari Lopes e Glória Norton. Orquestra privativa – Cave Quarteto. Reservas pelo Telef. 23352, maiores de 21 anos�. Ora bolas…
Logo ao lado a concorrência, o “Tamila�, “o mais alegre e acolhedor dancing de Lourenço Marques� nas palavras do anúncio, que promete também atracções internacionais: Um ‘sensacional ballet famengo’ Carlos de Falla, e a estrela da rádio e tv espanhola Shony Parga. Além disso anuncia uma striper alemã, Beverley Hill, e a música de dança é dada pelo “Latin Soul Quartet�, sendo a direcção musical de Angel peiró e o telefone o 23361.
Os olhos perdem-se nos anúncios enquanto a revista vai chegando ao fim, desde as latas de Nescafé que oferecem copos de whisky ao das Organizações Princesa, orgulhosa das suas pastelarias e aparentados, Ateneia, Safari e Djambu, a juntar à casa-mãe. Na última página e antes dum brilhante anúncio a cores aos meus cigarros favoritos, o maço vermelho e branco dos “Palmar� que diz na sua publicidade “É um cigarro com o gosto vigoroso do tabaco puro, dourado e pleno de aroma. Tabaco cheio de sol e de vida. Genuíno ‘broadleaf’ para sua satisfação total�, texto para ser recordado às pudicas tabaqueiras actuais, o artigo de Rui Cartaxana então o sub-ditector da revista, no caso em loa cheia de prudências à primavera marcelista e muito principalmente à ala renovadora da Assembleia Nacional. Sá Carneiro, Francisco Balsemão e Barreto Lara são citados, que termina assim após transcrever sucintamente o programna da ala liberal:
"Haverá alguém que se recuse a subscrever um programa destes? Mas poderá também ser-se mais genérico?
Uma coisa me parece certa: é que se avançou um passo nos costumes políticos portugueses"

……………………………..
Revista “Tempo� nº 27, de 21 de Março de 1971 (7$50 no distrito de Lourenço Marques, 10$00 nos outros distritos)

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Não tarda... - último

Não tarda estamos mesmo a vinte. Cerrar fileiras, e nem que chova a cântaros como se deseja, ir lá. Dizer, voto a voto, em números esclarecedores, tudo aquilo que está à vista e ao Deus dará...
Que dia vinte e um seja um dia de fé no futuro, mesmo sabendo que há sempre punhais que moldam os sonhos com ... ia dizer a realidade, mais terá de sê-lo em expressão mais composta: negra, fria, vergonhosa realidade.
O voto não é só emotivo. Os cenários do pós precisam de ser imaginados, democracia é a vontade de todos, e é-se livre de pensar e precaver o que os 'eleitos' farão para atraiçoar as promessas.
Um jogo de pesos para equilíbrio, há que pensar mais além do dia vinte e um, mas nunca esquecendo que só se celebra após ganhar a vinte; não tardará a lá estarmos, caneta na mão para dar conta, em cruz analfabeta, da nossa gota de decisão.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

"Il n'y a plus rien"

O prometido é devido. Sim, não é como os carros de prendas de Natal - já lá vai o Carnaval e não tarda até chega a chuva, e a minha garagem continua cheia... vossemecês acomodem-se, não desesperem, e até à grande farra vão-se servindo... já sabem: todos com meio tanque e chaves debaixo do tapete. E nada de riscar a pintura ou sujar as paredes d'A Minha Garagem".
Portanto, aqui fica a genial letra de Léo Ferré.
Sim, é longa mas como é bom ler as palavras que foram gritadas e o tempo que passa e globaliza comportamentos, esperanças, - sonhos... quer silenciar:
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Ecoute, écoute... Dans le silence de la mer, il y a comme un balancement maudit qui vous met le coeur à l'heure, avec
le sable qui se remonte un peu, comme les vieilles putes qui remontent leur peau, qui tirent la couverture.
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Immobile... L'immobilité, ça dérange le siècle. C'est un peu le sourire de la vitesse, et ça sourit pas lerche, la vitesse,
en ces temps.
Les amants de la mer s'en vont en Bretagne ou à Tahiti...
C'est vraiment con, les amants.
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IL n'y a plus rien
............
Camarade maudit, camarade misère...
Misère, c'était le nom de ma chienne qui n'avait que trois pattes.
L'autre, le destin la lui avait mise de côté pour les olympiades de la bouffe et des culs
semestriels qu'elle accrochait
dans les buissons pour y aller de sa progéniture.
Elle est partie, Misère, dans des cahots, quelque part dans la nuit des chiens.
Camarade tranquille, camarade prospère,
Quand tu rentreras chez toi
Pourquoi chez toi ?
Quand tu rentreras dans ta boîte, rue d'Alésia ou du Faubourg
Si tu trouves quelqu'un qui dort dans ton lit,
Si tu y trouves quelqu'un qui dort
Alors va-t-en, dans le matin clairet
Seul
Te marie pas
Si c'est ta femme qui est là, réveille-la de sa mort imagée
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Fous-lui une baffe, comme à une qui aurait une syncope ou une crise de nerfs...
Tu pourras lui dire :"T'as pas honte de t'assumer comme ça dans ta liquide sénescence.
Dis, t'as pas honte ?
Alors qu'il y a quatre-vingt-dix mille espèces de fleurs ?
Espèce de conne !
Et barre-toi !
Divorce-la
Te marie pas !
Tu peux tout faire :T'empaqueter dans le désordre, pour l'honneur, pour la conservation du titre...
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Le désordre, c'est l'ordre moins le pouvoir !
.............
Il n'y a plus rien
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Je suis un nègre blanc qui mange du cirage
Parce qu'il se fait chier à être blanc, ce nègre,
Il en a marre qu'on lui dise : " Sale blanc !"
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A Marseille, la sardine qui bouche le Port
Etait bourrée d'héroïne
Et les hommes-grenouilles n'en sont pas revenus...Libérez les sardines
Et y'aura plus de mareyeurs !
...........
Si tu savais ce que je sais
On te montrerait du doigt dans la rue
Alors il vaut mieux que tu ne saches rien
Comme ça, au moins, tu es peinard, anonyme, Citoyen !
............
Tu as droit, Citoyen, au minimum décent
A la publicité des enzymes et du charme
Au trafic des dollars et aux traficants d'armes
Qui traînent les journaux dans la boue et le sang
Tu as droit à ce bruit de la mer qui descend
Et si tu veux la prendre elle te fera du charme
Avec le vent au cul et des sextants d'alarme
Et la mer reviendra sans toi si tu es méchant
............
Les mots... toujours les mots, bien sûr !
Citoyens ! Aux armes !
Aux pépées, Citoyens ! A l'Amour, Citoyens !
Nous entrerons dans la carrière quand nous aurons cassé la gueule à nos ainés !
Les préfectures sont des monuments en airain... un coup d'aile d'oiseau ne les entame même pas... C'est vous dire !
............
Nous ne sommes même plus des juifs allemands
Nous ne sommes plus rien
............
Il n'y a plus rien
.............
Des futals bien coupés sur lesquels lorgnent les gosses, certes !
Des poitrines occupées
Des ventres vacants
Arrange-toi avec ça!
............
Le sourire de ceux qui font chauffer leur gamelle sur les plages reconverties et démoustiquées
C'est-à-dire en enfer, là où Dieu met ses lunettes noires pour ne pas risquer d'être reconnu par ses admirateurs
Dieu est une idole, aussi !
Sous les pavés il n'y a plus la plage
Il y a l'enfer et la Sécurité
Notre vraie vie n'est pas ailleurs, elle est ici
Nous sommes au monde, on nous l'a assez dit
N'en déplaise à la littérature
...........
Les mots, nous leur mettons des masques, un bâillon sur la tronche
A l'encyclopédie, les mots !
Et nous partons avec nos cris !
Et voilà !
............
Il n'y a plus rien... plus, plus rien
............
Je suis un chien ?
Perhaps !
Je suis un rat
Rien
............
Avec le coeur battant jusqu'à la dernière battue
............
Nous arrivons avec nos accessoires pour faire le ménage dans la tête des gens :
"Apprends donc à te coucher tout nu !
"Fous en l'air tes pantoufles !
"Renverse tes chaises !
"Mange debout !"
Assois-toi sur des tonnes d'inconvenances et montre-toi à la fenêtre en gueulant des gueulantes de principe
.............
Si jamais tu t'aperçois que ta révolte s'encroûte et devient une habituelle révolte, alors,
Sors
Marche
Crève
Baise
Aime enfin les arbres, les bêtes et détourne-toi du conforme et de l'inconforme
Lâche ces notions, si ce sont des notions
Rien ne vaut la peine de rien
.............
Il n'y a plus rien... plus, plus rien
.............
Invente des formules de nuit: CLN... C'est la nuit !
Même au soleil, surtout au soleil, c'est la nuit
Tu peux crever... Les gens ne retiendront même pas une de leur inspiration.
Ils canaliseront sur toi leur air vicié en des regrets éternels puant le certificat d'études et le cathéchisme ombilical.
C'est vraiment dégueulasseIls te tairont, les gens.
Les gens taisent l'autre, toujours.
Regarde, à table, quand ils mangent...
Ils s'engouffrent dans l'innoméIls se dépassent eux-mêmes et s'en vont vers l'ordure et le rot ponctuel !
.............
La ponctuation de l'absurde, c'est bien ce renversement des réacteurs abdominaux, comme à l'atterrissage : on rote
et on arrête le massacre.
Sur les pistes de l'inconscient, il y a des balises baveuses toujours un peu se souvenant du frichti, de l'organe, du repu.
.............
Mes plus beaux souvenirs sont d'une autre planète
Où les bouchers vendaient de l'homme à la criée
............
Moi, je suis de la race ferroviaire qui regarde passer les vaches
Si on ne mangeait pas les vaches, les moutons et les restes
Nous ne connaîtrions ni les vaches, ni les moutons, ni les restes...
Au bout du compte, on nous élève pour nous becqueter
Alors, becquetons !
Côte à l'os pour deux personnes, tu connais ?
.............
Heureusement il y a le lit : un parking !
Tu viens, mon amour ?
Et puis, c'est comme à la roulette : on mise, on mise...
Si la roulette n'avait qu'un trou, on nous ferait miser quand même
D'ailleurs, c'est ce qu'on fait !
Je comprends les joueurs : ils ont trente-cinq chances de ne pas se faire mettre...
Et ils mettent, ils mettent...
Le drame, dans le couple, c'est qu'on est deux
Et qu'il n'y a qu'un trou dans la roulette...
..............
Quand je vois un couple dans la rue, je change de trottoir
.............
Te marie pas
Ne vote pas
Sinon t'es coincé
............
Elle était belle comme la révolte
Nous l'avions dans les yeux,
dans les bras dans nos futals
Elle s'appelait l'imagination
..............
Elle dormait comme une morte, elle était comme morte
Elle sommeillait
On l'enterra de mémoire
.............
Dans le cocktail Molotov, il faut mettre du Martini, mon petit !
............
Transbahutez vos idées comme de la drogue...
Tu risques rien à la frontière
Rien dans les mains
Rien dans les poches
............
Tout dans la tronche !
...........
- Vous n'avez rien à déclarer ?
- Non.
- Comment vous nommez-vous ?
- Karl Marx.
- Allez, passez !
...........
Nous partîmes... Nous étions une poignée...
Nous nous retrouverons bientôt démunis, seuls, avec nos projets d'imagination dans le passé
Ecoutez-les... Ecoutez-les...
Ca rape comme le vin nouveau
Nous partîmes...
Nous étions une poignée
Bientôt ça débordera sur les trottoirs
La parlotte ça n'est pas un détonateur suffisant
Le silence armé, c'est bien, mais il faut bien fermer sa gueule...
Toutes des concierges !
Ecoutez-les...
............
Il n'y a plus rien
.............
Si les morts se levaient ?
Hein ?
.............
Nous étions combien ?
Ca ira !
.............
La tristesse, toujours la tristesse...
.............
Ils chantaient, ils chantaient...
Dans les rues...
Te marie pas
Ceux de San Francisco, de Paris, de Milan
Et ceux de Mexico
Bras dessus bras dessous
Bien accrochés au rêve
............
Ne vote pas
............
0 DC8 des Pélicans
Cigognes qui partent à l'heure
Labrador Lèvres des bisons
J'invente en bas des rennes bleus
En habit rouge du couchant
Je vais à l'Ouest de ma mémoire
Vers la Clarté vers la Clarté
Je m'éclaire la Nuit dans le noir de mes nerfs
Dans l'or de mes cheveux j'ai mis cent mille watts
Des circuits sont en panne dans le fond de ma viande
J'imagine le téléphone dans une lande
Celle où nous nous voyons moi et moi
Dans cette brume obscène au crépuscule teint
Je ne suis qu'un voyant embarrassé de signes
Mes circuits déconnectent
Je ne suis qu'un binaire
..............
Mon fils, il faut lever le camp comme lève la pâte
Il est tôt Lève-toi Prends du vin pour la route
Dégaine-toi du rêve anxieux des biens assis
Roule Roule mon fils vers l'étoile idéale
Tu te rencontreras Tu te reconnaîtras
Ton dessin devant toi, tu rentreras dedans
La mue ça ses fait à l'envers dans ce monde inventif
Tu reprendras ta voix de fille et chanteras Demain
Retourne tes yeux au-dedans de toi
Quand tu auras passé le mur du mur
Quand tu auras autrepassé ta vision
Alors tu verras rien
.............
Il n'y a plus rien
.............
Que les pères et les mères
Que ceux qui t'ont fait
Que ceux qui ont fait tous les autres
Que les "monsieur"
Que les "madame"
Que les "assis" dans les velours glacés, soumis, mollasses
Que ces horribles magasins bipèdes et roulants
Qui portent tout en devanture
Tous ceux-là à qui tu pourras dire :
.............
Monsieur !
Madame !
.............
Laissez donc ces gens-là tranquilles
Ces courbettes imaginées que vous leur inventez
Ces désespoirs soumis
Toute cette tristesse qui se lève le matin à heure fixe pour aller gagner VOS sous,
Avec les poumons resserrés
Les mains grandies par l'outrage et les bonnes moeurs
Les yeux défaits par les veilles soucieuses...Et vous comptez vos sous ?
Pardon.... LEURS sous !
............
Ce qui vous déshonore
C'est la propreté administrative, écologique dont vous tirez orgueil
Dans vos salles de bains climatisées
Dans vos bidets déserts
En vos miroirs menteurs...
..............
Vous faites mentir les miroirs
Vous êtes puissants au point de vous refléter tels que vous êtes
Cravatés
Envisonnés
Empapaoutés de morgue et d'ennui dans l'eau verte qui descend des montagnes et que vous vous êtes arrangés pour soumettre
A un point donné
A heure fixe
Pour vos narcissiques partouzes.
Vous vous regardez et vous ne pouvez même plus vous reconnaître
.............
Tellement vous êtes beaux
.............
Et vous comptez vos sous
En long
En large
En marge
De ces salaires que vous lâchez avec précision
Avec parcimonie
J'allais dire "en douce" comme ces aquilons avant-coureurs et quiracontent les exploits du bol alimentaire, avec cet apparat vengeuret nivellateur qui empêche toute identification...
Je veux dire que pour exploiter votre prochain, vous êtes leschampions de l'anonymat.
..............
Les révolutions ? Parlons-en !
Je veux parler des révolutions qu'on peut encore montrer
Parce qu'elles vous servent,
Parce qu'elles vous ont toujours servis,
Ces révolutions de "l'histoire",
Parce que les "histoires" ça vous amuse, avant de vous interesser,
Et quand ça vous intéresse, il est trop tard, on vous dit qu'il s'en prépare une autre.
Lorsque quelque chose d'inédit vous choque et vous gêne,
Vous vous arrangez la veille, toujours la veille, pour retenir une place
Dans un palace d'exilés, entouré du prestige des déracinés.
Les racines profondes de ce pays, c'est Vous, paraît-il,
Et quand on vous transbahute d'un "désordre de la rue", comme vous dites,
à un "ordre nouveau" comme ils disent, vous vous faites greffer au retour et on vous salue.
................
Depuis deux cent ans, vous prenez des billets pour les révolutions.
Vous seriez même tentés d'y apporter votre petit panier,
Pour n'en pas perdre une miette, n'est-ce-pas ?
Et les "vauriens" qui vous amusent, ces "vauriens" qui vous dérangent aussi, on les enveloppe dans un fait divers pendant que vous enveloppez les "vôtres" dans un drapeau.
.............
Vous vous croyez toujours, vous autres, dans un haras !
La race ça vous tient debout dans ce monde que vous avez assis.
Vous avez le style du pouvoir
Vous en arrivez même à vous parler à vous-mêmes
Comme si vous parliez à vos subordonnés,
De peur de quitter votre stature, vos boursouflures, de peur qu'on vous montre du doigt,
dans les corridors de l'ennui, et qu'on se dise :
"Tiens, il baisse, il va finir par se plier, par ramper"
Soyez tranquilles ! Pour la reptation, vous êtes imbattables ; seulement, vous ne vous la concédez
que dans la métaphore... Vous voulez bien vous allonger mais avec de l'allure,
Cette "allure" que vous portez, Monsieur, à votre boutonnière,
Et quand on sait ce qu'a pu vous coûter de silences aigres,
De renvois mal aiguillés
De demi-sourires séchés comme des larmes,
Ce ruban malheureux et rouge comme la honte dont vous ne vous êtes jamais décidé à
empourprer
votre visage
,Je me demande comment et pourquoi la Nature met
Tant d'entêtement,
Tant d'adresse
Et tant d'indifférence biologique
A faire que vos fils ressemblent à ce point à leurs pères,
Depuis les jupes de vos femmes matrimoniaires
Jusqu'aux salonnardes équivoques où vous les dressez à boire,
Dans votre grand monde,
A la coupe des bien-pensants.
............
Moi, je suis un bâtard.
Nous sommes tous des bâtards.
Ce qui nous sépare, aujourd'hui, c'est que votre bâtardise à vous est sanctionnée par le code civil
Sur lequel, avec votre permission, je me plais à cracher, avant de prendre congé.
Soyez tranquilles, Vous ne risquez Rien
.............
Il n'y a plus rien
.............
Et ce rien, on vous le laisse !
Foutez-vous en jusque-là, si vous pouvez,
Nous, on peut pas.
Un jour, dans dix mille ans,
Quand vous ne serez plus là,
Nous aurons TOUT
Rien de vous
Tout de nous
Nous aurons eu le temps d'inventer la Vie, la Beauté, la Jeunesse,
Les Larmes qui brilleront comme des émeraudes dans les yeux des filles,
Le sourire des bêtes enfin détraquées,
La priorité à Gauche, permettez !
............
Nous ne mourrons plus de rien
Nous vivrons de tout
............
Et les microbes de la connerie que nous n'aurez pas manqué de nous léguer, montant
De vos fumures
De vos livres engrangés dans vos silothèques
De vos documents publics
De vos réglements d'administration pénitenciaire
De vos décrets
De vos prières, même,
Tous ces microbes...
Soyez tranquilles,
Nous aurons déjà des machines pour les révoquer
..............
NOUS AURONS TOUT
..........
Dans dix mille ans
...............................................................................
Léo Ferré

Não tarda estamos a vinte - III

Oh homens de pouca fé!
Dei uma voltita pela minha blogosfera de predilecção e vejo tantos temores... não sejam assim, acreditem e votem, que há uma nova oportunidade de mostrar que este país pode ser melhor governado!

O póker de dados

Jogava-se num cinzeiro, daqueles redondos e em vidro grosso onde as pedras saltitavam com o ruído de fundo que soava mesa a mesa, em serões onde o jogo do póker de dados era senhor constante e omnipresente.
Os ases que todos procuravam, a alegria de uma sequência de mão, os dezes que eram desprezados e tantas vezes inclinavam a conta final...
O póker de dados nos cafés, o tlim-tlim no cinzeiro que era mágico quando só uma pedra saltitava procurando o final duma jogada que poderia ser perfeita, a marcação dos pontos nas folhinhas policopiadas, com o sucesso na clientela substituídas pelo dono do café por formais feitas tipografia, com publicidade à casa ou patrocínio duma cervejeira.
Aqui, lezíria ribatejana, nos anos em que o Ramiro tinha um restaurante que ainda era mais cervejaria, ou nos gloriosos tempos das noites quentes no 'Janeiro', veterano de Moçambique onde esteve vinte anos desaparecido. Conta a lenda que foi de motorizada para Santarém com um embrulho de roupa ao colo, estacionou na velha ponte e deixou em cima do banco a que levava, apanhou o comboio para Lisboa e lá o barco para �frica.
Com a descolonização e vinte anos depois apareceu em Almeirim onde já ninguém se lembrava dele, pendurou uma carcaça de cabeça de hipopótamo por cima do balcão da cervejaria que abriu para governar a vida e, rezam as minhas memórias e não a lenda, bastas madrugadas as portas eram encerradas, simbólicamente, lá pelas cinco da manhã. Vinhamos todos cá fora fumar um cigarro e olhar a inabitual estética da porta fechada, cumprimentar aqueles madrugadores que se levantavam cedo por rigores, e declarávamos a final da beata o bar re-aberto.
Certa noite o 'Janeiro' até jurou que tinha na arca umas costeletas de hipopótamo, lá as fritamos e comemos como tal na ressaca de noites onde o saltitar das pedras no cinzeiro fazia, em momentos perfeitos, abrir jogo marcando sessenta a ases quando tiravam-se cinco noves negros de mão.

Não tarda estamos a vinte - II

Estou a ouvir Janis Joplin. Antes, Léo Ferré encheu-me sentidos que não deviam estar adormecidos com o "il n'y a plus rien", de que noutro post deixarei a soberba letra mal descubra aqui na net onde a gamar, se possível com link audio pois esta é uma das minhas músicas de combate - hoje, a tais dias de um grito de raiva democrática dizer institucionalmente o que a minha revolta impõe.
Estou a ouvir Joplin e claro que em associação negra vêem Hendrix, Morrison, a morte prematura dos ídolos. Lembro-me em como a do Morrison impressionou-me menos que a de Hendrix, sem dúvida um dos músicos que marcavam o ritmo dos meus dias e noites junto com os Genesis, Floyd, Jethro Tull ou EL & P.
Neste momento soa o 'Mercedes-Benz' que o ZP há pouco tempo recordou. Estas músicas soaram-me nos meus anos perfeitos para elas, os meus '18 anos'. E adivinhem quem soa agora gloriosamente? Isso, Ian Gillan no velhinho e sempre eterno 'Smoke on the water' (...a fire in the sky...).
Estou, portanto, em pleno período de reflexão eleitoral enquanto o relógio me diz que os Senhores Candidatos se esmiúçam e esfalfam na televisão por captar o meu voto. Por mim e para tão nobre fim ouço o Ferré, o 'il n'y a plus rien' - e que recomendo como cábula para votar bem.

o rei maior que a barriga?

Cheguei lá seguindo as sempre actuais pistas do �gua Lisa.
A pergunta era: "A CDU nem sequer entra nas alternativas, que são só as do PS e as do BE?"
Um momento... detecto aqui um prematuro discurso de novo rico?

O Ramalho barbeiro

O Ramalho era um compincha e era barbeiro, e um dos maiores castiços que o passado recente daqui, lezíria, traz à liça da memória editável.
Magro, esquelético e com uns óculos à antiga, sempre de casaco com padrão em zadrês, não era por nenhuma destes sinais que o Ramalho respondia. Na testa faltava-lhe um bom bocado de osso e, por exemplo quando ria e as rugas se formavam esticando a pele, 'via-se' - ou julgavasse ver.... o cérebro do Ramalho a mexer.
Tal ausência de normal osso era devida ao facto de o Ramalho morar na Quinta do Mascarenhas e já quase em Alpiarça, embebedar-se em Almeirim e a sua mota ter encontrado em certa parte de tal percurso a placa que anuncia a vila, Almeirim. 'Eirim', depois do Ramalho chocar com ela, porque o 'Alm' foi a dura cabeça do barbeiro que o levou à frente.
Bem, o Ramalho, jogador inveterado e autência ciência viva da arte de seduzir falar com uma máquina, acarinhando-a em ternuras mil e muitos afagos de cumplicidade, premiados por vez em prémios sucessivos e que ajudavam a gerar a lenda do Ramalho, enquanto o braço fazia rolar a combinação dos frutos, os dedos selecccionando as casas a imobilizar na aposta.
Como é óbvio, andava sempre teso, bêbado e feliz.
A sua felicidade era tão grande que um dia a EDP aborreceu-se e cortou-lhe a luz. O que em nada incomodou o Ramalho pois a cadeira dos cortes e das barbas era junto à porta, esta junto a um semáforo, neste um candeiro que dava de borla aquilo que o contador amortalhado na parede antes cronometrava para facturar. Bem, e a terminar... um dia um electricista foi lá cortar o cabelo, as conversas são como as cerejas e saiu de lá com o Ramalho todo satisfeito com umas massas inesperadas: vendeu-lhe o contador.
De certa vez, andavámos numa de espiritismos (e tenho duas ou três boas para contar...), nessa barbearia do Ramalho, que era um cubículo, e pelas tantas da manhã, a 'mesa' feita sobre essa mesma cadeira de dentista/barbeiro à antiga, o Ramalho ralhou connosco por mais respeito pois jurava que a alma da sua prima estava presente, ela que tinha um nome engraçado que agora não recordo e tinha morrido, uns vinte ou trinta anos atrás, afogada numa lagoa em Coruche, invocada pela meia garrafa de ginja que já bebera. Pois o Ramalho era fino, e na cerveja quando a ela recorria era sempre em minis e naturais.
Um tipo fino, este Ramalho. Estendi-me nisto mas o Ramalho era mesmo coisa fina...
Há anos que não sei dele, as últimas apontavam para estar a viver em Salvaterra de Magos. Talvez ainda nos encontremos, ele com os seus olhos malandros e risonho, elegante no seu lacinho que encimava o cabide que o seu esqueleto formava adornado com o fato coçado, o buraco na testa a rir-se para nós, nós a olhar para o buraco e a disfarçar, e o Ramalho a rir-se ainda mais...
Também é do tempo dos bingos clandestinos no clube da terra, das rusgas e das mil histórias que se ouvem... o que saltou pela janela, o que abriu a porta e todos os que foram multados após visita ao tribunal da comarca. Incluindo o velhote que todas as noites ia lá beber bagaços e ler o jornal da casa com uma lupa, tão cego para jogar ao bingo que, já os outros sonhariam com o acumulado, ainda ele estaria a jogar para linha.
Levou coima e taxa de justiça de igual valor aos outros, e penso que os jornais diários terão ganho novo cliente. Escreve-se com lupa por linhas tortas, eis o trocadilho com que hoje termino.