sexta-feira, fevereiro 25, 2005

O job

Antes, ele nunca teve um daqueles empregos em que se fazem contas para pagar ao fim do mês a prestação do carro, e em que se aturam chefes ou pena-se por dias sem sobressaltos no mercado liberal da raia.
Sempre esteve na política e esta nunca o tratou mal. Foi membro de governo, presidente de câmara e deputado europeu, cargos que sempre lhe deram para viver à larga e, pelo menos na vez de Bruxelas, consta que serviu para arrumar a casa, o que incluiu um sótão que poderia tornar-se inquietante.
Na vaga, e porque ia bem com o seu carácter mundano e fotogénico - e como ele gosta de si mesmo... - até foi presidente dum clube de futebol dos mais reputados, cargo não remunerado mas cujas despesas pagas incluíam os charutos - a vitória a tal obriga, e o natural direito desportivo a que a sua cara aparecesse todos os dias na televisão.
Agora tocou o céu e os dedos queimaram-se, ficando um cheiro desagradável a cadáver chamuscado, e a fotogenia que sempre lhe permitiu ganhar a vida está ameaçada. E os dedos queimados fazem e fazem-no pensar na ausência de calos que têem. Tem quarenta e tal anos e ele mesmo já disse que não tem idade para mudar de profissão: político, e dos sem calos.
É que o tombo foi tão grande (passou de mito a chacota nacional) que ele já deitou contas à vida. Na verdade esteve dois dias a pensar não no que tinha acontecido mas sim no que iria fazer, que mais mil amarguras estarão a ameaçar o seu futuro. Não que me preocupe particularmente se vai para a estiva ou para advogado, se naquela torce um pé ou se nesta envergonhará os princípios da classe. O problema é outro.
Ele, ao longo de anos e anos em que conheceu as conversas de bar onde se confidencia o exercício do poder, os gabinetes oficiais e os recantos dos corredores grossamente alcatifados, nestes anos todos em que praticou a sua política como tanto gosta - e nela sempre foi feliz até ao recente infortúnio, conheceu todos e cada dos que rondam o poder seja na ambição de o tomarem em mãos ou na dele recolherem excepções, oportunidades, em suma parasitismo económico para com o Estado e os seus milhentos ramais ou, se se entender que é agreste a definição, aceite-se a mais modesta mas insuficiente das afamadas influências. E as vozes por que se fazem ouvir também são todas do seu conhecimento. Acredito que a sua agenda telefónica, se um dia se vir metido em alhadas com o poder judicial, faria o país entrar em transe e a salivar, e a fila de notáveis a serem ouvidos até às tantas justificaria até uma ou duas roulotes das bifanas estacionadas à porta ao DIAP.
Não é que ele seja desonesto ou menos ético, não é por ele... - gostava ele de pensar que outros de si assim pensariam. Mas tornara-se de repente num assalariado muito interessante para gente endinheirada e com critérios escrupulosos discutíveis, e sempre com empresas com uma vaga aberta na sua administração, étecetera que já sabemos...
Ele está à rasca. E falou ao fim de dois dias e deu a entender que quer ver a sua situação resolvida até Abril, ao congresso da sucessão. Que te disseram neste dois dias, Pedro, para onde vais tu?
O Parlamento não lhe agrada e muito menos agradará ao novo chefe partidário vê-lo nele, seja ele quem vier a ser. Sabe que no seu clube não lhe querem ver a cara nem é considerado saudável serem vistos ao pé dele durante muito e muito tempo, provavelmente por causa do cheiro a cadáver chamuscado que, já se referiu e é pacífico, é um cheiro desagradável. Voltar à câmara é voltar ao buraco, mais as armadilhas que irá encontrar, umas em paga dos buracos que legou ao substituto, outras novas de quem, inesperada e iradamente, se sente despromovido ou desempregado. E está lá o buraco, o tal buraco que foi o seu pesadelo muito pessoal e que acreditara já se ter dele libertado.
Para onde vais Pedro? Para um escritório de tráficos de influências disfarçado em carteiras profissionais forenses, ou para assessor dum nababo que tem dinheiro a mais para a agenda telefónica que tem?
Para onde te vão mandar, o que arranjaram para te sustentar e calar, como vais governar a vidinha, assim, sem calos nos dedos chamuscados quando tocaram o céu?
Não sou curioso em excesso sobre a vida dos outros mas confesso que estou com o olho em ti. E atento ao que gravitar à volta do teu cheiro, de político chamuscado, pois preocupo-me com a saída que te encontraram nestes dois dias ou que prometeram arranjar-te até Abril, descontado o período de nojo com data para iniciar funções lá Setembro, Outubro...
Tu já avisaste, e todos nós sabemos que saberás dizer muito mais: não é com essa idade que vais mudar de vida...
Para onde vais, Pedro?

2 Comments:

Blogger th said...

Como é que o cantor canta?...
"deixem-me rir..."
"...o autor renega a sua obra, escrita bastarda e abusadora da pobre tinta que nela gastou."-isto disse o Sr. Gil no post anterior; afinal só precisava de arrumar a casa, tinha coisas no caminho que lhe impediam a imaginação e a arte!
eheheheh, beijo!

sexta-feira, fevereiro 25, 2005 3:45:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

É verdade Th. e depois este postão. A propósito, gostava de deixar aqui a minha opinião: kero que o "menino guerreiro" sa-dassssss.Beijos.Elsa.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005 9:35:00 da manhã  

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