segunda-feira, abril 18, 2005

O Natal da Vanda

Da escola a Carla trouxe como trabalho de casa, aula de português, uma redacção sobre a discriminação e o racismo. Optou por fazer um conto, que passo a transcrever:
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O Natal da Vanda
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Bem, aqui estava ela! Mais um Natal, mais uma árvore, mais uma guloseima para o seu estômago! na verdade não era uma, mas um saco cheio delas! Uma de chocolate, outras de doce, açúcar! mas faltava-lhe a guloseima que mais desejava. Aquela que ela pedia todos os anos ao Pai Natal. Aquela, que ela nunca iria provar. Um amigo. Era só o que pedia. Experimentar a amizade, experimentar partilhar segredos, experimentar a sensação de desembrulhar a prenda de um amigo.
Não sabia porquê, mas desde que chegara àquele país todos a tratavam como uma estranha. Bem, para dizer a verdade, não a tratavam sequer... porque parecia que não tinham dado conta que havia mais uma cara no livro de ponto, mais uma cadeira ocupada, mais um teste a ser distribuído: parecia até que a conseguiam confundir com os troncos das árvores, pela sua cor mais escura. Mas na verdade, não tinha a certeza de que esse fosse realmente o problema. Talvez por viver num bairro social, tentou ao acaso Vanda... Não, não, não era esse o problema. Ou então pelos seus quilinhos a mais...
- Que ridículo Vanda. Pára de ter estas ideias estúpidas! - Disse de si para consigo.
Parecia que não havia mais hipóteses. Tinha de ser. Só podia ser da sua cor. Ela tinha uma cor a que a mãe chamava "a cor mais pura que pode existir" e que combinava com os seus olhos cor de carvão. Em África, nunca ninguém a tinha posto de parte pela sua cor. Na verdade, achava uma injustiça as pessoas do paí­s onde estava nascerem vermelhas, ficarem amarelas ou verdes quando estão doentes, serem castanhas quando apanham Sol, ficarem brancas quando apanham um susto e chamarem às pessoas do seu país que nascem e morrem com a pele igual, homens de cor.
Faltava pouco para acabar o dia 24 de Dezembro e a sua mãe estava a trabalhar. Em plena véspera de Natal. Ia passar a consoada no emprego para sustentar a famí­lia. Por isso Vanda sentia-se culpada de ter esbanjado dinheiro numa prenda para Catarina da sua turma, porque esta nem sequer lhe agradecera, não lhe dera nenhuma em troca e tinha a sensação que aquilo que vira no caixote do lixo na esquina ao lado da escola era muito parecido com o embrulho da prenda que oferecera. Mas afinal, não tinha feito de propósito. Julgara que se fizesse o que fez iriam reparar nela, mas tudo continuou na mesma.
O telefone tocou. Vanda levantou-se de um pulo! Será que tinham acertado na lotaria? Será que era Catarina a agradecer? Ou talvez, apenas um amigo a desejar "Feliz Natal"... Raios, como isso era bom. Talvez a minha vida mude com este telefonema - pensou. E foi com um baque que uma pedra acertou no seu coração quando pensou:
- Só podia ser.
Era engano.

6 Comments:

Blogger th said...

Lamento muito, mas tão triste tanto péssimismo. Um beijinho para ela, Carla, que é de certeza amiga de uma petrinha...th

segunda-feira, abril 18, 2005 11:02:00 da tarde  
Blogger th said...

claro...pretinha!

segunda-feira, abril 18, 2005 11:03:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Carla:
Só hoje pude dar-te a atenção que mereces: gostei, muito, muito! Obrigada pelo texto que me entregaste, és uma pessoa completa - apesar de sermos, sempre, miúdas com tanto por aprender... Um beijo, Isabella.

sexta-feira, abril 22, 2005 11:14:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Carla, o que falar? Estás feita menina linda, orgulho ,isso deve ser bom de sentir , não é papai?
Parabéns minha querida pelo alma que tu tens.
Um beijo grande fica com Deus
Um beijo papai Carlos Tareca

domingo, abril 24, 2005 1:31:00 da manhã  
Blogger Roberto Iza Valdés said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

sexta-feira, novembro 04, 2005 9:41:00 da manhã  
Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

sexta-feira, agosto 31, 2007 7:07:00 da tarde  

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