quinta-feira, abril 07, 2005

Inveja

Tenho inveja de quem escreve bem, bonito. Preferentemente de crónicas pois não sou leitor nem candidato a escritor de textos de longo fôlego.
Compro revistas e leio jornais pelos colunistas que alberguem, a qualidade dos seus escritos, e, volta não volta, eis-me roído de inveja a olhar frases, a sua composição tão natural, tão suave, que uma folha lê-se no tal fôlego curto. E eu fico de papo cheio, boas letras e muita inveja, a ronronar o pecado mortal de escritor: desejar a pena do próximo.
(estou a escrever no café, atrás de mim e a conversar com um vendedor a "Morena", que me olha com curiosidade desde que lhe mostrei o texto que me inspirou; morena, bela, invejo também a sua beleza e como gostava que ela tenha invejado as palavras que dela contaram...)
Na página quinze da revista que sai hoje, ele, novamente, dá-me outra lição de bem escrever, e eu roído de inveja, aqui sentado e apertado entre a inveja da beleza da morena e a da escrita dele, escritor de tanta maiúscula que delas prescinde e nem se nota, ela com o cabelo num desalinho que seria tão bem escrito, se ele a conhecesse e morenamente o escrevesse.
(tac-tac-tac. os passos dela entre a rádio que fala e canta o que não entendo e a televisão do que não vejo, cego com a página quinze e os sapatos dela. vejo-a a ela e leio-o a ele, chega, chega para a minha inveja que não é do músico que canta para agradar, bem dispor, ou... reparo agora: não é um rádio que soa quando o tac-tac se silencia, o ruído é mesmo da televisão e o homem que nela caminha (ao meu encontro? dela?) canta e tem uma viola)
Os olhos fogem desta folha de invejas e caiem na revista aberta, página quinze, não leio mais nenhuma. Sorrio. Lá está ele, eu, a inveja, ela, atrás, a morena que não pára e vai agora do balcão à casa-de-banho, tac-tac, tac-tac, ela flutua nestas linhas, e sinto-a, o seu olhar vendo-me escrever(ê-la), no écran agora soa o 'Imagine' e eu invejo, imaginando.
Fecho o caderno, regresso ao meu computador, penitência menor quando leio a página quinze e, a ela, morena, sinto-a perto e a minha inveja faz-me continuar a escrever uma página, a catorze, invejando um dia contar na quinze como a minha morena é bela.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mas, olha que tu também lhe dás com a caneta, 'moreno'!... _ beijo, muf'.

quinta-feira, abril 07, 2005 5:01:00 da tarde  
Blogger Brigida Rocha Brito said...

Também gosto do que leio. Porquê tanta modéstia quando as palavras nos surgem tão soltas, leves, agradáveis?

sexta-feira, abril 08, 2005 1:24:00 da manhã  

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