50 caixões

Fiz ontem cinquenta anos. Em tantos, houve anos em que fui puto cagão, corrécio escolar, guedelhudo, retornado, e até merceeiro e jurista e motoqueiro fui. 'Cada ano seu paladar', apetece dizer... agora para este novo a estrear, com um número tão redondo e engraçado, premonitor de tanta coisa boa que se adivinha nestas idades que caminham para o provecto, hesito em pegar na ementa e escolher que fato usar. Um ataúde de veste-e-despe rápido, para que o '51' venha depressa e inovador? Ou recrear-me com o número e montar a tenda com estacas mais sólidas, meio caminho para o sofá e para pausa sabática na orgia de viver? Não, esperem, há que ser criativo e sacar o máximo de gozo a todas as horas, todos os números... este '50' levará arabesco rebuscado e na cor da tela deixará memória: eu, daltónico confesso na variante de "vê-las mas não conhecê-las" diligencio meio e aprumo pulso para aventura que promete resultados, em mínimo, originais. Nestes cinquentas e para seu bom início, arranjo boina e avental, palete e mais o resto, e vou pintar. Pintar cinquenta telas, uma por cada ano vivido, cores lindas para caixões do 'já era', cinquenta deles, alinhados em festival casamenteiro das minhas cores, talvez a única coisa em mim que acredito ser realmente original. Faço da minha vida galeria, tentada escrita mas com lacunas que as letras não enchem. Conseguirá o pincel os traços que faltam, os que falam sem rococós adjectivados, sem vírgulas e parênteses? Que funeral às artes plásticas se prevê à nova máscara, cinquentinha e charola, sorridente no eterno encaixotar do passado.

(gamado aqui)